Opinião Rafael Dubeux: O desafio do clima, com ou sem Trump Rafael Dubeux é bacharel em Direito pela UFPE e doutor em Relações Internacionais pela UnB

Publicado em: 23/06/2017 14:43 Atualizado em:

É um retrocesso indiscutível o anúncio da retirada estadunidense do Acordo do Clima de Paris, que prevê limites para as emissões de gases de efeito estufa. No entanto, essa recalcitrância do presidente dos EUA, Donald Trump, pode ter impacto global menor do que aparenta e abre oportunidades para outros países.

Três fatores minimizam o impacto da decisão dos EUA. Primeiro, os EUA deixaram de ser os maiores emissores de gases estufa desde 2006, quando a China assumiu essa lastimável liderança. Atualmente a China emite cerca de 30% do total global, enquanto que os EUA emitem cerca de metade disso, 15%.

Segundo, o federalismo americano confere amplo protagonismo aos estados na área ambiental – e vários deles o estão exercendo, especialmente a Califórnia. Muitas dessas unidades federativas adotaram regras arrojadas sobre emissões, quotas de energia de baixo carbono, padrões de eficiência energética e outras ações vinculantes, mesmo sem suporte do governo central. Além disso, depois do anúncio de Trump, anunciaram que não deixarão de se engajar na transição energética global várias municipalidades (como Nova York e Los Angeles), empresas (como Apple, Google e Intel) e universidades de prestígio públicas e privadas.

Terceiro e mais importante, novas tecnologias tornaram competitivas as fontes energéticas de baixo carbono: a eólica já alcança preços mais baratos do que as fontes fósseis, mesmo sem subsídios, e a solar fotovoltaica está cada vez mais perto de também se tornar economicamente vantajosa – já o é em algumas regiões. Nesse cenário, mecanismos de mercado impulsionam sua expansão, reduzindo a dependência de políticas públicas.

O problema central é que, para evitar mudanças climáticas catastróficas, é preciso a esta altura acelerar o ritmo da transformação de uma economia baseada em fontes fósseis para uma de baixo carbono. A decisão dos EUA pode desacelerar o passo dessa mudança. O corte de orçamento estadunidense para pesquisas em energia tende a retardar o progresso científico, especialmente por ocorrer no país onde inovações tecnológicas permeiam a economia e costumam ser mais radicais.

A mudança climática afeta a todos, mas, apesar do peso desproporcional dos países ricos nas emissões de gases estufa, por uma infeliz coincidência ela prejudica mais gravemente as nações pobres e, dentro delas, os grupos mais carentes. Por isso, a saída estadunidense não pode ser motivo para desmobilizar. Cedo ou tarde, o governo central dos EUA voltará à arena climática internacional. Nesse ínterim, abre-se um espaço de liderança internacional na pauta climática e energética. A China e a União Europeia já se apressaram em ocupar essa posição, tanto no campo diplomático, como no econômico e tecnológico. A desaceleração dos EUA pode permitir o salto dos demais.

E o Brasil? Nossa matriz energética é comparativamente limpa, nosso território oferece ampla disponibilidade de ventos e de radiação solar, a biomassa é uma fonte de destaque no país e há domínio do ciclo nuclear. Falta-nos, porém, a capacidade de converter essas vantagens naturais ou já consolidadas em desenvolvimento tecnológico local e em empreendedorismo para explorá-las comercialmente. Não há por que assistir passivamente a uma transformação dessa magnitude e aguardar que outras nações descortinem sozinhas as fronteiras econômicas e tecnológicas da área, deixando-nos o mero papel de importadores de tecnologias no futuro.

O esforço global para mitigar a mudança climática veio para ficar. O recuo dos EUA é um episódio de sandice temporária de Trump, não do conjunto do país. É inspiradora a resistência de organizações estadunidenses em insistir na transição energética. No nosso do Brasil, com um governo federal mergulhado em crise aguda, Estados, municípios, universidades e empreendedores locais podem e devem se engajar no esforço internacional de reduzir as emissões por meio da disputa de liderança em tecnologias que não apenas acelerem o ritmo da transição energética, mas também ajudem nossa economia a retomar a rota do crescimento com aumento de produtividade.


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