Opinião Maurício Rands: O TSE e a confiança na justiça Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford, professor de direito da UFPE

Publicado em: 12/06/2017 07:05 Atualizado em:

Longos votos em retórica rococó e rocambolesca. Tentativa vã de transmitir erudição, técnica e fundamentação. Quase sempre escassas. A linguagem prolixa revela desconexão com os tempos atuais. Tempos em que a multiplicidade de meios de acesso à cultura e à informação demandam profundidade, concisão e objetividade. Desconexão materializada nas sedes suntuosas dos tribunais superiores. E nos gastos excessivos e verbas extra-teto, muitas vezes deixando à míngua as varas de primeira instância onde a maioria das demandas do povo é resolvida. 

Dessintonia que já vinha exposta nos constantes bate-bocas dos ministros do STF. Ou na excessiva leniência a colaboradores como os da JBS e da Petrobrás. Ou na inconsistência de muitos dos seus próceres, como a do ministro Gilmar Mendes. Que diante do mesmo caso – o julgamento do abuso de poder econômico da chapa Dilma-Temer - teve condutas antagônicas em dois momentos. Quando a presidente era Dilma, considerou que havia razões para rejeitar o voto absolvitório da relatora Thereza de Assis Moura. Quando o presidente era Temer, votou no sentido oposto. 

A excessiva exposição dos seus membros mais vaidosos às luzes não se coaduna com o equilíbrio, discrição e imparcialidade que se espera de um membro de tribunal superior. Juízes e membros do ministério público têm muito a dizer sobre nossa vida institucional. Mas isso não os qualifica a pretender ser “pop star”. Tanto pior porque suas desavenças e ataques mútuos parecem movidos mais a vaidade e interesses do que a divergências doutrinárias. Os debates e alinhamentos nessas cortes superiores deveriam ser em torno de posições doutrinárias. Sobre os limites do ativismo judicial, por exemplo. Ou sobre o alcance do papel contra-majoritário do Poder Judiciário (“a dificuldade contra-majoritária”, na expressão de Bickel, 1962). Ou sobre o garantismo e a efetividade da lei penal, a inspirar as posições sobre a prisão após a condenação na 2ª instância. Não é o que está a ocorrer.

O julgamento do TSE catalisou uma erosão de legitimidade do Judiciário que já estava acontecendo. Para os adeptos do ativismo judicial, deu-se um passo atrás. Quando a grave crise de legitimidade demandou sua arbitragem, o que se viu não agradou a nação. Sobretudo nas crises, é preciso respeitar a Constituição e as leis. O que mais vale para o Poder Judiciário, o MP e as polícias. E que isso seja percebido pelo povo, para que ele sinta confiança nessas instituições sem as quais o país mergulha na anomia. O índice de confiança no Judiciário (ICJ), da FGV – Direito SP, já era baixo há tempos. Perto dos 30%. A triste fotografia do julgamento do TSE deve tê-lo reduzido ainda mais. A consequência dessas fragilidades é que, agora, o terceiro poder soma-se aos dois outros na crise de legitimidade que toma conta de todas as instituições. Aumenta o fosso entre o Brasil real e o Brasil institucional.

O descolamento  do espírito do tempo vai mais longe. As pessoas não mais aceitam a corrupção sistêmica. Sejam autores as oligarquias político-partidárias, construtoras, instituições financeiras ou burocratas da repartição da esquina. Como disse a ministra Carmem Lúcia, “o Brasil está com raiva”. Exige que mude a regra do jogo. Anseia por um novo equilíbrio onde as relações não corruptas prevaleçam. Quer um “relançamento do Brasil como projeto” (Cacá Diegues, O Globo, 11/6/17). Isso é possível. Talvez esses últimos episódios sejam estertores de um velho Brasil que vai morrendo. Que o novo não aparece tão subitamente, sem que elementos do velho resistam aqui e ali. Para que o Brasil seja passado a limpo, a Lava-Jato e as demais investigações precisam ir a fundo. E elas só cumprirão seu papel se forem conduzidas por pessoas e instituições que gozem de credibilidade e atuem com rigor e obediência aos preceitos constitucionais. Os excessos, vaidades e erros das autoridades judiciárias reduzem a legitimidade de que elas necessitam para ir adiante. O Judiciário perde legitimidade quando o país vê expostas fragilidades como as escancaradas no julgamento do TSE. Um político vocacionado e honesto – sim, eles existem - fica indignado quando vê a degradação de outro político. Da mesma forma, muitos juízes competentes, honestos e trabalhadores estão indignados com o triste espetáculo ofertado por alguns de seus pares do STF e do TSE.


MAIS NOTÍCIAS DO CANAL