Diario Editorial: Quando os macacos dizem 'não'

Publicado em: 22/06/2017 07:22 Atualizado em:

Há uma cena em um dos filmes-sequência de Planeta dos Macacos que, em sua aparente banalidade, guarda ensinamento para diversas áreas, notadamente para política e jornalismo. O filme original, de 1968, gerou uma franquia que teve quatro outros no início dos anos 1970. É em um deles que está a cena: um humano pergunta a um macaco em que momento eles se revoltaram, e ouve como resposta:  “Assim que o primeiro macaco aprendeu a dizer não”.

O ensinamento que a política, o jornalismo e outras áreas podem tirar daí é sobre a importância de identificar uma tendência, ou fenômeno, no seu nascedouro. O comum é que todos nós só a vejamos quando ela desabrocha e fica à vista de todos. Mas antes de isso acontecer houve um momento, menos visível, em que o macaco disse “não”.

O raciocínio pode ser aplicado a um evento recente no Brasil: o da votação do parecer da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) no Senado, anteontem. O texto, favorável à reforma, foi rejeitado pelo placar de 10x9. É uma daquelas votações que aparentemente não valem nada. Não delibera. Não decide. Como lembrou o presidente Michel Temer, em sua viagem à Rússia, é apenas uma etapa na tramitação da reforma no Congresso. O projeto segue seu ritmo normal, vai para outra comissão e depois para o plenário. “O que vale é o plenário”, minimizou Temer.

Mas uma coisa é o fato, e outra são as consequências do fato. Três integrantes da base aliada do governo, e que fazem parte da Comissão, votaram contra o parecer. Ontem, um deles, o senador Hélio José (DF), que é do mesmo partido de Temer (PMDB), fez um duro discurso contra o presidente, acusando-o de chantagem e pedindo sua renúncia. “Nós não podemos permitir que o governo transforme votações em balcão de negócios. Esse governo está podre. Esse governo corrupto tinha que ter vergonha na cara e renunciar”, disse ele.  A reação foi depois da exoneração de dois nomes indicados pelo senador para o governo Federal.

Houve troca de farpas também entre PMDB e PSDB. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, disse que os tucanos alardeiam apoio às reformas, mas não impediram que um deles, o senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), votasse contra. O presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati, reagiu criticando a viagem de Temer exatamente no período da votação. O presidente nacional do PMDB, Romero Jucá, procurou conciliar: “O PSDB faltou com um voto, mas o PMDB também”.  Até o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que não tem voto no Congresso, entrou na história, criticando a base aliada pelo que considerou “descuido”.

O governo tenta passar do fato a imagem de que a votação foi normal e não significou nada de extraordinário. As discordâncias internas vistas ontem, porém, desautorizam versão tão otimista. Talvez se deva considerar também outra hipótese — a de que integrantes da base aliada, assim como os macacos do filme clássico, começaram a dizer não às reformas pretendidas pelo governo.


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