Diario Editorial: A sociedade do espetáculo

Publicado em: 08/06/2017 07:08 Atualizado em:

Vivemos todos nós sob os efeitos de uma realidade vulnerável ao espetáculo, como pôde ser visto ontem em intervenção do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, durante julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer,  acusados de abuso de poder político e econômico nas eleições presidenciais de 2014. Quem está acompanhando a sessão — iniciada terça-feira e transmitida ininterruptamente por alguns canais de TV — tem visto a troca de farpas entre Gilmar Mendes e o ministro do TSE Herman Benjamin, relator do caso. Ontem tivemos mais um episódio dessa relação quando Gilmar disse que Herman “estava brilhando na televisão no Brasil todo” graças a ele, Gilmar. Em seguida repetiu diversas vezes que fora o responsável por aquele processo estar sob julgamento e não sido arquivado: “Eu digo sempre: essa ação só existe graças ao meu empenho, modéstias às favas”.

As frases causam a impressão de que o eminente presidente do TSE incomodou-se com os holofotes dirigidos ao colega e tentou movê-los para si. Claro que pode não ter sido esta a razão, mas diante do que foi dito a impressão tem sua razão de ser. Na sociedade do espetáculo, conforme teorizava famoso livro com este título, lançado em 1967 na França pelo filósofo e cineasta Guy Debord,  a relação entre as pessoas era “mediada por imagens”.  O livro foi pioneiro na crítica à sociedade de consumo e “à cultura da imagem”. Não precisamos levar as argumentações de Debord para o julgamento da chapa Dilma-Temer, porém são evidentes — neste e em diversos outros episódios recentes — a preocupação de autoridades policiais, judiciárias, do Ministério Público, com o holofote, com a imagem, com a reverberação dos atos. Nesse roteiro já tivemos até acusações montadas em PowerPoint, como se fosse a apresentação dos dados de uma pesquisa.

Sempre se poderá dizer que era impossível que assim não fosse, dado os impulsos da natureza humana combinados com esse admirável mundo novo em que vivemos, marcado pela profusão de meios de comunicação e pela disseminação vertiginosa de informações. A ressalva, porém, não impede que se lamente os efeitos negativos da tendência. Não estamos no mundo do entretenimento, tratando da performance de artistas e de suas obras. Estamos no mundo das decisões que podem afetar um país inteiro, destruir (ou alavancar) carreiras, alterar o rumo da nossa história, gerar instabilidade e crise. Dada a importância dos fatos em questão, é natural que este mundo seja alvo do interesse midiático. Mas ele não combina com a busca pelo holofote nem com o espalhafato. O que combina com este mundo é sobriedade e profundidade.
 


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