Opinião Raimundo Carrero: O gerúndio no começo da frase literária conforme John Gardner Raimundo Carrero é escritor e jornalista

Publicado em: 15/05/2017 07:44 Atualizado em:

Todos os estudiosos que se dedicam à análise técnica da prosa de ficção conhecem John Gardner, um dos fundadores da escrita criativa, cuja oba principal %u201CA Arte da Ficção%u201D foi publicada no Brasil em 1997 pela Editora Civilização Brasileira. Nesta obra. À página 135 há uma grande lição sobre o uso do gerúndio no começo da frase de uma cena de romance. Diz ele:

%u201Cfrases iniciadas com verbos no gerúndio são tão frequentes na literatura de má qualidade que o melhor será trata -la como culpada até prova em contrário. Frases como:%u201D Levantando o pato os olhos devagarinho do seu bordado, Martha disse...%u201D Levando o pato na mão esquerda, Henry...%u201DNum estilo efetivamente ruim, tais frases introdutórias conduzem a alterações no foco temporal,ou ao ilogismo pura e simplesmente. O mau escritor nos diz por exemplo: %u201CDemitindo o empregado e pondo fogo no barracão, Eloise dirigiu-se à cidade.%u201D ( A sentença dá a entender que a ação de demitir o empregado e incendiar sua casa é simultânea à ação deir de carro para a cidade.)

Ou então: %u201CDando rapidamente as costas à divisória, o capitão Figg falou lenta e cuidadosamente%u201D ( ilógico, i. e., impossível) Mas mesmo que não ocorra falta de lógica ou impossibilidade material, o uso por demais frequente e inapropriado de frases desse tipo é condenável. Geralmente ocorre pela incapacidade do escritor em saber como atenuar o horror que escreveu.

Ao tratar de outro exemplo, Gardner examina o gerúndio na segunda frase.
%u201CEla livrou-se da liga.%u201D %u201CEla se voltou para John.%u201D %u201CEla sorriu vendo seu constrangimento%u201D. E, numa tentativa desesperada dev fugir à repetição, ao baque surdo dos sujeitos e dos verbos, muda a sentença para: %u201CEla livrou-se da liga.

Voltando-se para John, sorriu do seu constrangimento%u201D. OI objetivo, variar as sentenças, pode ser elogiável. Mas há outros meios. É possível evita r o martelar dos sujeitos: (1) apelando para os verbos reflexivos; (2) introduzindo qualificativos: %u201CEla livrou-se da liga, ou melhor %u2013 titrou-a de um golpe %u2013 uma liga puída, rosa-pálido, cujo elástico, cor de cinza, aparecia poe entre o franzido. De modo obsceno...etc...

Ou (3) encontrar adequado elemento subordinado, como: Quando ela se livrou da liga, voltou-se para Johm %u2013 solução que elimina a repetição do som bsaixando a tônica do primeiro Ela. Problemas de estilo são, habitualmente, sintomas de defeitos na personalidade ou na educação do escritor.

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