Opinião Ademar Rigueira Neto: Manipulação da competência e a Lava-Jato (Fase 1 - Sérgio Moro) Ademar Rigueira Neto é Advogado criminal

Publicado em: 27/05/2017 07:59 Atualizado em:


A Operação Lava-Jato não para de nos surpreender. Não é de hoje que os advogados e juristas envolvidos reclamam uma análise menos açodada acerca da competência firmada nessa operação.

A competência de Curitiba adotou como critério o tema, e por ser temática, passou a aglutinar casos e fatos, como se tudo fizesse parte de um mesmo enredo, dividido em capítulos de uma mesma novela.

Em virtude de uma interceptação telefônica antes deferida, ao que tudo indica por Juiz competente – juiz Sérgio Moro-, constatou-se que o então diretor de Abastecimento da Petrobras havia recebido um veículo de luxo, como contrapartida de uma suposta propina.

Tinha-se ali, o surgimento do fenômeno denominado pela doutrina de encontro fortuito de provas ou serendipidade – “um neologismo que significa algo como sair em busca de uma coisa e descobrir outra (ou outras), às vezes até mais interessante e valiosa”.

Diante de tal hipótese, a conduta que deveria ter sido tomada pelas autoridades envolvidas, uma vez que não havia congruência entre o que se procurava investigar e o que efetivamente fora encontrado, era a imediata comunicação do fato descoberto ao Juízo competente para aquela investigação, servindo a nova prova apenas como notitia criminis.

Ressalte-se que não se tinha uma conexão entre os fatos investigados, justamente porque não havia a existência de fatos concatenados, que, porventura, formassem uma rede indissolúvel de atos, com claros liames objetivos e subjetivos. O fato de Youssef ter participado de antiga delação premiada perante o juízo da 13ª Vara de Curitiba, na qual teria se comprometido a não voltar a delinquir, bem como ter respondido por outros e anteriores crimes de lavagem de dinheiro perante aquele juízo, não torna, por evidente, o juiz Moro prevento. 

A questão é de simples percepção, bastando adequar os fatos a uma nova tipologia. Acaso Youssef tivesse respondendo a uma acusação de homicídio, tendo como competente à sua apreciação o juiz Sérgio Moro. Porventura, nessa investigação, fosse determinado uma interceptação telefônica que levassem os investigadores a descobrir que além daquele homicídio, Youssef teria praticado outro crime, de mesma natureza, com as mesmas armas e metodologia semelhante, diferenciando-se do anterior por ter sido praticado em outro município, em virtude de mando de outro autor intelectual, tornar-se-ia competente o juízo de Curitiba para julgar o novo caso em virtude da prevenção?

Como se observa, o caso não de descarte da prova obtida fortuitamente. Na realidade, o que se impõe é que, sendo a prova fortuitamente encontrada desconexa com os fatos inicialmente investigados – como ocorreu na “lava Jato”, seja valorada tão somente como notitia criminis, para que, a partir dela, possa ser desenvolvida a investigação pertinente pelo juiz naturalmente competente para a causa.

Na Lava-Jato, a lógica funcionou às avessas. As autoridades – Polícia Federal, Ministério Público e juiz –, adotaram postura totalmente inadmissível: Ao invés de reconhecer que os fatos se encontravam fora de sua esfera de atribuições, desmembrando a investigação, para remeter às autoridades competentes as provas colhidas como notitia criminis, continuaram investigando fatos que lhe eram totalmente estranhos.

O certo é que essa competência temática chegou aos Tribunais Superiores, estabelecendo prevenções, tanto no STJ, como no STF. A manipulação dessa nova vertente será apreciada na fase 02, em continuidade a este artigo.


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