Opinião Reino Unido sai da União Europeia: e agora?

Publicado em: 26/06/2016 10:59 Atualizado em: 26/06/2016 14:29

Por Maurício Rands *

Convocado pelo primeiro ministro conservador, David Cameron, o referendo do dia 23 de junho é um marco histórico para o futuro da Europa. O comparecimento, voluntário, foi recorde: 71,8%. Pelo "sair" votaram 17,4 milhões (52%). Pelo "ficar", 16,1 milhões (48%). O Reino Unido ficou dividido. Londres (59,9%), Escócia (62%) e Irlanda do Norte (55,8%) queriam permanecer na União Europeia - UE. No resto da Inglaterra, 57% votaram pelo"sair".

Os preços do petróleo caíram 4,71%. A libra desvalorizou-se 4,5% frente ao euro e 6,5% frente ao dólar, depois de chegar a cair 12,5%. As bolsas, idem. Na manhã da sexta-feira, o FTSE 100, de Londres, recuava 4,17%. O DAX, de Frankfurt, 7,11% e o CAC 40, de Paris, 8,51%. Nas praças de Milão e Madri, perdas de 10,88% e 12,40%. Na Ásia, a bolsa de Tóquio recuava 8%. Hong Kong, 5%. Sydney, 3,5%. A BMF- Bovespa, 3%.

De plano, a vida dos imigrantes ficará ainda mais dura, com controles mais rigorosos e aumento da intolerância. O PIB será menor. A inflação, maior. Os combustíveis, mais caros. Com a desvalorização da libra, ganharão os exportadores. Os preços dos imóveis cairão cerca de 15% e o volume de transações, 20%, segundo estimativas iniciais de experts. Surgem oportunidades de compra de imóveis na Inglaterra, sobretudo para estrangeiros. Há quem preveja uma "Brexit bubble" em Londres.

A própria unidade do Reino Unido volta a balançar. Nicola Sturgeon, a primeira-ministra escocesa, já defende um novo referendo de independência da Escócia para voltar à UE. O mesmo já começa a ser defendido por nacionalistas na Irlanda do Norte. Para implementar o resultado do referendo de 23 de junho, já se discute a opção por um acordo de retirada análogo ao modelo da Noruega, com acesso pleno ao mercado europeu e com garantia de livre circulação das pessoas.

Mas cresce a possibilidade de um Reino Unido mais fechado, isolado e menos dinâmico. Pode ficar mais remoto o sonho europeu de um continente sem fronteiras, democrático, aberto ao comércio. Deflagra-se um processo de desintegração da União Europeia, com mais volatilidade e turbulências. Líderes xenófobos do populismo de direita, como a francesa Marie Le Pen, o inglês Nigel Farage, do vitorioso Partido da Independência (UKIP) ou o holandês Geert Wilders, do Partido da Liberdade, já se articulam para lançar campanhas por referendos em outros países da Europa.

O nacionalismo e a intolerância contra os imigrantes devem aumentar a pressão por controles de fronteiras. Mas, como alertou o Le Monde, o pior seria manter a UE como ela hoje funciona, apenas jogando a culpa na demagogia xenófoba dos que fizeram a campanha do "sair". O novo ambiente de globalização e inovações tecnológicas produz vencedores e perdedores. Não por acaso, o voto pela saída prevaleceu em regiões economicamente estagnadas da Inglaterra. O aumento da concentração de renda é associado a uma elite dirigente burocrática, que, insulada em Bruxelas, tende a perder os liames com as pessoas comuns. Por isso, a União Europeia vai precisar reinventar seus mecanismos decisórios. Menos burocracia, mais respeito às identidades de cada povo, e mais democracia.

Sobre a grave questão dos 60 milhões de refugiados, a UE deveria rever sua posição. Poderia assumir posturas mais proativas que viabilizem a paz, o comércio, e os investimentos nos países emissores de refugiados. Sem isso, o cordão dos eurocéticos vai crescer. À direita, com o discurso ultranacionalista anti-imigrantes. À esquerda tradicional, com o anseio da volta de um velho estatismo que hoje se revela fiscalmente insustentável e incapaz de se adaptar às mudanças ditadas pelas inovações tecnológicas. Trata-se de fazer uma profunda autocrítica e rever os fundamentos mesmos do sonho europeu.

* PhD pela Universidade de Oxford, advogado e professor de Direito da UFPE

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