Opinião Zeca Brandão: Minha Casa, Minha Vida ou Minha Cidade, Minha Vida? "Uma revisão do MCMV é necessária, principalmente no que se refere à articulação das novas habitações com a cidade"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 26/05/2016 07:11 Atualizado em:

Por Zeca Brandão
Arquiteto urbanista e professor associado da UFPE

Uma das primeiras medidas tomadas pelo atual governo interino foi a revogação dos contratos referentes à construção de mais de 11 mil moradias do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Esse ato, à primeira vista, pode ratificar o argumento dos defensores do governo afastado de que o futuro governo não priorizaria programas sociais. Entretanto, é importante ressaltar que uma revisão do MCMV é necessária, principalmente no que se refere à articulação das novas habitações com a cidade.

A primeira política nacional de habitação reconhecida no Brasil foi financiada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), entre os anos de 1964 e 1986. Neste período, foram construídas mais de 4 milhões de novas moradias, organizadas em conjuntos habitacionais que, na sua maioria, eram localizados nas periferias das grandes cidades. Concebidos de forma isolada e desprovidos da dimensão urbana - fator que atrai as pessoas para a cidade - como emprego e renda, saúde, educação, entretenimento, lazer e cultura, esses conjuntos foram objeto de severas críticas, sobretudo pela emergência de conflitos sociais resultantes desse isolamento urbano.

Após a extinção do BNH, seguiu-se um longo período de ausência de estratégias nacionais destinadas ao enfrentamento do problema habitacional. Nesta fase, os programas foram descentralizados, havendo uma progressiva transferência de atribuições para os governos locais. Apenas em 2009, a questão da moradia retornou com força à agenda do governo federal, através do MCMV lançado pelo Ministério das Cidades. Porém, apesar de bem-sucedido em termos quantitativos, apresentando uma produção sem precedentes no país, é espantoso observar que o MCMV repete o mesmo erro cometido pelo BNH. O programa insiste em produzir conjuntos habitacionais desarticulados com a cidade e que também causarão graves problemas sociais.

O curioso é que, durante o período compreendido entre o fim do BNH e o início do MCMV, uma série de programas alternativos de escala local foram implementados. Nesse mesmo período, as universidades concentraram esforços na sistematização do conhecimento técnico-científico referente à questão habitacional no país. Tanto no desenvolvimento dos programas locais quanto na produção acadêmica, a relevância da habitação social estar inserida na cidade esteve sempre presente. Entretanto, inexplicavelmente esse conceito - e todo o conhecimento gerado por ele - foi desconsiderado na elaboração do programa MCMV.

Portanto, neste momento, uma pausa no programa MCMV para refletir sobre a articulação dos novos projetos à escala urbana, pode ser bem-vinda. Precisamos pensar a produção da habitação popular como estratégia de desenvolvimento urbano e humano, de maneira que os projetos possam não só qualificar a cidade como um todo, mas também permitir que a população mais carente usufrua dos benefícios de morar nela. Assim, podemos até manter a sigla MCMV, mas agora ampliando o seu escopo para Minha Cidade, Minha Vida. Dessa forma, reforçaremos o direito constitucional da população à moradia, que na verdade, precisa vir acompanhado do seu direito à cidade.


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