Opinião Raimundo Carrero: Por isso é preciso aprender: Na narrativa a história é outra "Tratamos muito das questões técnicas, mas só devemos definir as técnicas depois da escrita em estado bruto"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 02/05/2016 06:58 Atualizado em:

Por Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Antes de mais nada, escrever é um ato espontâneo que exige paciência e habilidade. Tratamos muito das questões técnicas, mas só devemos definir as técnicas depois da escrita em estado bruto, que possibilita o conhecimento das nossas possibilidades. Por isso tenho recomendado muito a meus alunos que no primeiro momento escrevam uma história de começo, meio e fim. Sem escrúpulos. E sem repouso.

Só depois disso podemos conhecer, passo a passo, os elementos - história, personagens, cens, cenários, diálogos, recursos técnicos - com que vamos trabalhar. E precisamos de consciência absoluta. Descobrimos que a história é convincente, mas que os nomes dos personagens ainda não são convincentes. Precisam mudar. É inevitável. Hércules não batiza um velhinho calado e dorminhoco - desde que não seja uma ironia, é claro. 

E surge, de repente, o problema da exatidão narrativa. No poema, exatidão precisa ser coerente com o verso e com o ritmo. Mas na prosa depende do ponto de vista do narrador, do protagonista, da protagonista, do olhar de quem narra . Do narrador oculto, do narrador onisciente contemporâneo, do narrador plural, de muitos. Mas o escritor só vai saber depois que escreve pela primeira vez. Não adiantam soluções mentais. As palavras só se revelam depois de escritas. Pelo óbvio.

Neste sentido, o conhecimento das técnicas mais sofisticadas vai ajudar muito. Por isso, a  técnica é o estudo do comportamento humano através da Beleza. Não da Beleza tradicional, aristotélica. Mas desta Beleza contemporânea, que dá ao Feio o status de Belo. Isto é, sem o rigor da Harmonia, Proporção e Grandeza, já superada desde os estudos de Kant, por exemplo, atravessando ainda o campo de outros estudiosos, desde Plotino. Uma dissonância tem a força, todos sabemos, de uma distorção, talvez sinônimos. A distorção quebra a harmonia linear, digamos. Mas, ainda assim, e sobretudo, continua bela. Ou talvez ainda mais bela.

Dessa forma, o  quesito Harmonia sofre a primeira grande mudança, e a Beleza exige uma nova compreensão. Plotino demonstrou que as coisas belas não estão apenas na Grandeza. E temos por aí novas modificações. Seguindo este raciocínio podemos dizer que na narrativa  a exatidão nem é tão exatidão assim. Pede muitos pontos de vista.

O mesmo podemos dizer da síntese. Assim, destacamos que uma síntese narrativa pode ser alcançada numa palavra, numa cena, num cenário o num diálogo. Escrevendo sobre Jorge Amado, Graciliano Ramos demonstra, como numa fala rápida, uma prostituta define o caráter de um freguês: “Sujo, que monturo de homem”.

Além disso, nem sempre uma afirmação resume um comportamento. Ao invés de dizer “Fulana é uma mulher triste” cria-se uma cena de tristeza, e a questão estará resolvida. Assim: na narrativa a história é outra.


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