Opinião Clóvis Cavalcanti: Os encantos ameaçados de Olinda "É forte o contraste entre o que Olinda oferece de beleza e a destruição causada pelos que a ocupam nos tempos atuais"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 25/05/2016 07:20 Atualizado em:

Por Clóvis Cavalcanti
Presidente-eleito da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE)

É conhecido o belo poema de Carlos Pena Filho (1929-1960), um olindense, que contém a estrofe: “Olinda é só para os olhos, / não se apalpa, é só desejo. / Ninguém diz: é lá que eu moro. / Diz somente: é lá que eu vejo”. A bela feição da cidade em que resido se expressava com toda desenvoltura na manhã de céu azul intenso do último domingo. De nossa casa, ao lado do convento franciscano, minha mulher Vera e eu fomos à missa das 7h30 na igreja de Santa Gertrudes - em si própria, de magnífica e sóbria beleza. A cerimônia, conduzida com elegância e charme por cuidadosas freiras beneditinas, de hábitos limpamente alvos, e presidida por Irmão José (como ele gosta de ser chamado), monge da Ordem de São Bento, veio acrescentar mais encanto ao cenário que íamos encontrando. Voltando da missa, nossos olhos pareciam confirmar o sentido da metáfora de Carlos Pena. 

No entanto, prestando atenção em detalhes, íamos percebendo como é forte o contraste entre o que Olinda oferece de beleza e a destruição causada pelos que a ocupam nos tempos atuais. No Alto da Sé, defronte de prédios com admirável arquitetura (excluo deles o monstrengo moderno da caixa d'água), espalha-se no vazio da praça um como quê acampamento que parece de refugiados de alguma catástrofe. São bancos de vendedores de comida. Aí, nossa feição de atraso, de sociedade que ainda não decolou firmemente de sua situação de miséria nas camadas sociais marginalizadas, se projeta com toda pujança. Esse é o país que somos de fato. Incapaz de se livrar de desequilíbrios sociais que se agravam. E incapaz de avanços no plano da formação de cidadãos - a começar dos que ocupam posições de mando - que cumpram as leis como se deve. Construções irregulares aparecem em todo lado. São novos pavimentos acrescentados a casas antigas. São fachadas refeitas sob o manto da pior arquitetura (uma, dir-se-ia, “não-arquitetura”) que existe. São revestimentos de lamentável breguice colocados em muros e paredes. Quando se olha um conjunto de casas das que permitiram que Olinda virasse Patrimônio Cultural da Humanidade, comparando-as com as novas concepções, chega-se ao espanto. Como é possível tanta mediocridade?!

E isso não é atributo somente da iniciativa privada. O desastre artístico do adro do convento franciscano, a deformação que ali se plantou há 10 anos, por exemplo, representa contribuição dos poderes públicos. Ensaia-se atualmente uma recuperação do local, que era muito gracioso até o começo das desastradas administrações municipais do PCdoB (a primeira delas, em 2001-2005, na verdade, foi alvissareira). O temor é de que a emenda saia pior do que o soneto. Nesse particular, o que a prefeitura fez de bom nos últimos 15 anos - como embutir fios em meia dúzia de logradouros - perde de modo enfático para o que trouxe de ruim. Os postes das av. Sigismundo Gonçalves são exemplo disso. Postes de estradas periféricas de cidade feia. A situação de abandono de monumentos, como as igrejas do Bonfim e de São Pedro Mártir, são outro exemplo. E a situação de áreas coladas ao sítio histórico, como os bairros de Amaro Branco e Guadalupe; as calçadas arrebentadas em toda parte; o calçamento irregular - tudo isso mostra como parece que existe um esforço para negar o conteúdo do poema de Carlos Pena Filho. Poema que é um hino de exaltação aos encantos ameaçados de Olinda.


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