Clouds29° / 30° C
Opinião Luciana Grassano Melo: Impeachment: por Deus, por Ustra e pela família "Julguei que a hipocrisia e o desrespeito de nossos parlamentares pelo nosso povo e pelo nosso país fosse ser menos evidente"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 20/04/2016 07:18 Atualizado em:

Por Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

A votação da admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma pela Câmara de Deputados, no último domingo, mostrou-me que eu estava redondamente enganada.

Julguei que a desfaçatez, a hipocrisia e o desrespeito de nossos parlamentares pelo nosso povo e pelo nosso país fosse ser menos evidente. Julguei que fariam de Dilma o bode expiatório dos “pedaladeiros” brasileiros, mas não se deram sequer a esse trabalho, os nossos parlamentares.

Na verdade, os nossos parlamentares não precisavam expiar culpas, porque falavam em nome de Deus! E em nome de Deus e de seus filhos, netos e esposas votaram a favor da abertura de um processo de impeachment contra uma presidente eleita por 54 milhões de brasileiros, sem dizer sequer uma palavra capaz de justificar a prática de crime de responsabilidade, autorizador do processo em questão.

Se os votos dados por 54 milhões de brasileiros há menos de um ano e meio são um mero detalhe, que se dirá das pedaladas fiscais e do necessário fundamento jurídico do impeachment, qual seja, o crime de responsabilidade?

Escrevo esse artigo na segunda-feira, ainda curtindo a ressaca das imagens medonhas que acompanhei pela TV. Acima de tudo, sinto-me revoltada por mais uma vez confirmar o desvalor dado ao voto popular e às regras constitucionais e democráticas que todos aqueles parlamentares juraram honrar e defender.

São muito atuais as palavras de José Saramago: “Estamos numa situação em que uma democracia que, segundo a definição antiga, é o governo do povo, para o povo e pelo povo, nessa democracia precisamente está ausente o povo”. E, no caso brasileiro, está ausente o povo porque estamos em vias de ser governados por um presidente “eleito” por um Parlamento que sequer fala em nome do povo, mas de seus escusos interesses pessoais.

A minha revolta contra a política nacional não expressa um sentimento de revolta com a política. Mas expressa uma voz descontente, preocupada e indignada, acima de tudo com a apologia feita ao torturador Ustra, pelo deputado Bolsonaro. 

Espero que a confiança que preservo nas instituições democráticas, na dignidade da política e nos homens e mulheres de boa vontade encontre ressonância nas ações políticas e jurídicas que serão tomadas em seguida. E que o Brasil encontre um caminho menos hostil, menos manchado pela corrupção, mais democrático, mais inclusivo e com crescente apelo à concretização da justiça social.


Mais notícias