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Memória Alceu Valença relembra seus primeiros poemas publicados no Diario "A Olivetti me salvou. Decassílabos, sonetos, poemas e crônicas nasciam ritmados ao som das teclas da antiga máquina de escrever"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 12/11/2015 18:50 Atualizado em: 12/11/2015 19:59

O cantor e compositor Alceu Valença relembra a época em que trabalhava em um escritório de advocacia: "Devo confessar: fui um estagiário relapso". Foto: Divulgação
O cantor e compositor Alceu Valença relembra a época em que trabalhava em um escritório de advocacia: "Devo confessar: fui um estagiário relapso". Foto: Divulgação

Por Alceu Valença

Eu vivo na embolada do tempo: presente, passado e futuro, tudo vivido ao mesmo tempo, no aqui e agora. Da sala de estar do meu apartamento no Rio de Janeiro, digito no celular divagações que me transportam em questão de segundos a um escritório de advocacia localizado no edifício JK, em frente ao Diario de Pernambuco.

Lembro-me de um estagiário, rapaz de cabelos longos e barba negra, vestido em um paletó bem talhado com uma gravata vermelha e preta que sufocava seu pescoço e sua alma de poeta. Devo confessar: fui um estagiário relapso. Da janela, com um cigarro no bico, perseguia a fumaça até ela se esvair no HD das nuvens. Ouvia o som dos emboladores na pracinha e fitava os ponteiros do relógio do Diario. O tempo, ali, passava lentamente. O tédio se apoderava de minha função naquele escritório e me forçava a procurar uma saída. A Olivetti me salvou. Decassílabos, sonetos, poemas e crônicas nasciam ritmados ao som das teclas da antiga máquina de escrever. O Código Civil deu lugar a Rubem Braga, o Penal, a Carlos Pena Filho, o de Processo Civil, a Fernando Pessoa...E assim, segui à toa.

Certo dia, um dos meus poemas foi publicado no caderno literário do mais antigo jornal da América Latina. Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia, nostra? (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?). O discurso de Cícero aprendido nas aulas de Direito Romano transformou o estagiário num poeta pernambucano. Afrouxei a gravata e deixei o terno no cabide do guarda-roupa paterno.

O meu telefone vibra e interrompe a viagem. Do outro lado da linha, a voz suave de uma jornalista. Ela quer uma entrevista sobre as Valencianas, concerto erudito com a Orquestra Ouro Preto, que será realizado, nesta semana, no próximo domingo, no Parque Lage, Rio de Janeiro. Peço a ela cinco minutos para terminar essas intimas revelações que faço a vocês, meus caros leitores.

O estagiário que virou poeta, cantor, ator, cineasta busca sempre uma nova rota. Afinal, o tempo se dilata como um fio, cordão elástico caminho, estrada que nos transporta. Ainda ouço o som do carrilhão do relógio do Diario de Pernambuco e revejo meus primeiros poemas publicados em suas páginas.

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