OBSERVATÓRIO ECONÔMICO Burocracia tipo exportação

Por: Marcelo Eduardo Alves da Silva

Publicado em: 06/11/2017 08:00 Atualizado em:

Por: Marcelo Eduardo Alves da Silva (*)

Desconfio que há uma relação muito clara entre burocracia e subdesenvolvimento. Países mais pobres tendem a ser mais burocráticos. E se tem uma coisa em que o Brasil é craque, é a burocracia.

Quando estava no doutorado, certa vez alguns colegas e eu, todos estrangeiros de países subdesenvolvidos, começamos uma brincadeira para saber quantos documentos eram necessários para “sobreviver” em um país. Todos começamos a contar e eu fiz a minha conta. Bem, no Brasil, você precisaria ter carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira de motorista, número do PIS/PASEP, CPF, certidão de reservista se for homem, título de eleitor, carteira profissional, ufa. Esqueci algo? Após muitos risos e trocas de experiências com as burocracias locais, a constatação geral foi de que nossos países de origem eram demasiadamente burocráticos e ao invés de tornar a vida do cidadão mais fácil, a complicava com exigências e burocracias demasiadas. 

Em nossa mente estava a constatação do quão “fácil” era ser estrangeiro nos Estados Unidos. As relações comerciais, trabalhistas e com o setor público eram e são incrivelmente simples. Por exemplo, em 2005, aluguei o apartamento em que morei por mais de quatro anos pela internet. Repito em 2005, pela internet e detalhe: estava no Brasil! Alugar um apartamento no Brasil em 2017 é surreal, exigência de fiador, idas e vindas ao cartório, comprovantes e cópias de tudo que é documento, do locatário, do fiador, etc. É um martírio, um desperdício de tempo e de dinheiro!

Imagine agora as relações com o setor público. Há um completo desrespeito ao cidadão, um desprezo quase absoluto pelo tempo e pelos custos envolvidos. Você já parou para pensar em quanto tempo perdemos com burocracias desnecessárias? Exigências sem sentido? Idas e vindas a um mesmo órgão para resolver um problema? Há demasiada tutela do Estado em quase tudo que fazemos, há uma cultura generalizada da burocracia. Quase que um mantra coletivo de que tudo precisa ser complicado, se não, há algo de errado. O errado é ser complicado! Brinco com amigos de que se alguma coisa começa a funcionar sem problemas no Brasil é porque há algo de errado.

Temos dito com frequência, nesta coluna, que um de nossos maiores desafios é aumentar nossa produtividade (quanto de bens e serviços cada trabalhador é capaz de produzir). Nossa produtividade é baixa, um trabalhador brasileiro produz um terço do que um americano no mesmo período de tempo. Isso é ruim, muito ruim. Mas o pior não para por aí, analisando os dados desde os anos 1980, não há sinal algum de melhora nesse quadro. E qual a relação disso com a burocracia? Toda.

Ao perdermos tempo com burocracias, temos menos tempo para sermos produtivos, criativos, para inovarmos. E a inovação é o motor da produtividade. Se tem um país que é um verdadeiro campo de oportunidades, esse país é o Brasil. Não nos faltam problemas para resolver, sobram lugares onde nossa produtividade é baixa, onde os serviços são mal feitos, onde os produtos custam caro e são de baixa qualidade. Não estou falando aqui de inovações de ponta, basta copiar experiências exitosas de outros países. Por que mesmo precisamos de tanta burocracia?  De tantos cartórios? De tantos documentos? De tantas exigências? De tantas idas e vindas para resolver um mesmo problema?

*Professor do Departamento de Economia da UFPE.


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