Observatório econômico Uma bravata de 450 bilhões de Reais

Publicado em: 13/03/2017 08:00 Atualizado em: 10/03/2017 16:24

Por Fernando Dias (*)
 
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
No agora longínquo 2008 o então presidente Lula foi confrontado com a notícia que a crise no mercado financeiro americano estava contaminando o mundo e os analistas já falavam em um tsunami para a economia global. Fiel a seu estilo sempre bem-humorado o presidente vaticinou que para nós seria apenas uma marolinha. Em época de economia aparentemente pujante, prestígio internacional e até um novo modelo de crescimento, o neodesenvolvimentismo que foi descrito por Mercadante, o presidente acreditou que poderia ignorar os fatos e propagandear arrogantemente que o país era imune as previsões da “velha economia”. Errou, errou feio, e a tal marolinha junto com os demais desarranjos da tal economia neodesenvolvimentista fecharam 2016 com queda acumulada em dois anos de 7,2% do PIB, uma perda de 450 bilhões de reais em valores de 2016.


O leitor achou pouco? Em termos de emprego a retração da atividade econômica entre o último trimestre de 2014 e o último trimestre de 2016 simplesmente dobrou o total de pessoas desocupadas no país, passando de 6,5 milhões para 12,3 milhões de desocupados. De quebra, a inflação alcançou os dois dígitos e os juros dispararam para conter a escalada de preços. Para quem acreditava que o Brasil tinha descoberto o caminho mágico para o crescimento sem percalços, restaram os fatos que apenas trilhamos novamente o populismo, com os mesmos efeitos maravilhosos de curto prazo, e a mesma tragédia representada por recessão, inflação, desemprego e juros altos no (não tão) longo prazo.

Vivemos hoje uma tragédia anunciada? Infelizmente sim, e por mais que a economia global tenha contribuído, nós fomos os grandes responsáveis por esta que já é a pior recessão da história republicana. Lá atrás, em 2008, quando a bravata presidencial tranquilizava o coração dos incautos, os adeptos da “velha economia” avisavam a quem quisesse ouvir que um modelo de crescimento sustentado somente pelo incentivo ao consumo e pelo crescimento do gasto público era insustentável no médio prazo.

Como os indicadores ainda eram bem positivos os economistas do governo refutavam de forma quase galhofa estas conclusões arcaicas. Munidos de um modelo que tem como parte de suas raízes a hipótese que o multiplicador do gasto público é maior que 1, algo que não tem sustentação empírica em lugar nenhum, mas que no Brasil “é verdadeiro”, as mentes que comandavam a economia indicavam (e ainda indicam) que a receita para reverter a desaceleração da atividade econômica era elevar o gasto público direto e indireto, este segundo na forma de subsídio. E foi obra pública para lá, subsídio para cá, e com bilhões saindo dos cofres da União a economia foi se mantendo sôfrega e cada vez menos brilhante.

Foi-se Lula, entrou Dilma e pouco ou nada mudou na condução da economia. Crescimento era papel do Estado, e bastava uma canetada que tudo iria se resolver num passe de mágica, e noutro e noutro. E como nada se resolvia e a economia ia dando sinais de esgotamento do modelo, chegamos em 2014 em momento crítico. Em plena época de eleição cabia ao governo atual admitir que seria necessário um ajuste recessivo e arriscar perder a eleição, algo que já tinha ocorrido na sucessão de FHC, ou enveredava de vez pelo populismo e negava tudo na tentativa de convencer a população que o que tinha dado certo antes daria novamente. A escolha é conhecida e deu no que deu.

A percepção da gravidade da crise era tão clara que já eleita a então presidente Dilma enviou um pacote de ajuste fiscal ao Congresso até mais rigoroso que o que está sendo hoje discutido. Mas era tarde, a própria base foi contra o pacote e num ato nonsense o governo acusou a oposição de ser responsável pela rejeição do pacote pela situação. Hoje corremos atrás do prejuízo e a conta ainda deve ficar mais cara. É torcer para pelo menos os atuais governantes prestem atenção aos sinais do mundo real e creiam menos em contos da carochinha.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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