Observatório econômico A existência do inexistente déficit

Publicado em: 05/02/2017 08:00 Atualizado em: 03/02/2017 19:54

Por Fernando Dias (*)
 
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Ao longo dos últimos meses estamos sendo expostos a uma feroz discussão entre técnicos do governos e técnicos do governo a respeito da existência ou não de um déficit na previdência. Enquanto os técnicos do Ministério do Planejamento, assim como os da Fazenda, apresentam números bilionários de um déficit que ensejará uma grande reforma no sistema previdenciário, técnicos da Receita e acadêmicos apresentam argumentos que de acordo com eles provam que não existe déficit algum senão um desajuste transitório em função da retração da atividade econômica. Quem está certo? Existe déficit? Precisa mesmo de reforma? Nós temos de pagar uma conta que pode não existir?


Longe de querer encerrar a questão apresento alguns elementos que são importantes para entender a polêmica. Inicialmente, todos os argumentos são coerentes, de ambos os lados, mas todos apresentam apenas uma parte do problema de forma a guiar uma conclusão do leitor. Para entender isto é necessário saber como funciona nosso sistema previdenciário em termos da relação entre quem paga e quem recebe e, ao contrário do que muita gente pensa, você não contribui para sua aposentadoria e sim paga a de quem já se aposentou. Este sistema se chama repartição simples, é o mais usado no mundo, e nele o valor com o qual você contribui serve apenas para balizar o valor que você irá receber e que será pago por quem estiver na ativa neste momento. Não existe uma conta sua remunerada como na previdência privada. Esqueça isto!

Por ser de repartição simples é preciso que haja um equilíbrio ou um superávit entre quem é contribuinte e quem é beneficiário a cada momento, pois caso contrário o déficit resultante precisa ser bancado ou pelo acúmulo de reservas quando for superavitário ou, como é nosso caso, pela União. Neste sentido os técnicos da Fazenda e Planejamento estão cobertos de razão: há um déficit bilionário e crescente.

Dado que há déficit, o controlador pode tomar ações para financiá-lo, e no nosso caso a União adicionou a base de contribuição às empresas. Ao fazer isto a União elevou a arrecadação, porém ela o fez em um contexto mais amplo que previdência social, o fez como seguridade social. A seguridade engloba a previdência e adiciona a assistência social e a saúde, que compartilham os recursos desta segunda fonte de receita. Quando somamos a arrecadação das pessoas físicas e jurídicas o total é hoje maior que o gasto da previdência e, assim, neste sentido os técnicos da Receita estão corretos ao afirmar que não há déficit, mas em termos do desembolso da previdência versus a arrecadação da seguridade.

Para complicar ainda mais o problema, a União (em governos anteriores) encontrou uma forma de arrecadar mais sem distribuir o montante com os estados usando as contribuições sociais das pessoas jurídicas para isso. Para operacionalizar este mecanismo, as alíquotas foram majoradas e com a implantação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) o recurso adicional pode ser canalizado para o Tesouro. Do ponto de vista contábil o suposto superávit na seguridade aumentou.

Então não tem déficit? Na seguridade não, na previdência sim. E precisa de reforma? Sim, porque o déficit apresenta trajetória crescente e já está sendo financiado com os recursos da seguridade. Se nada for feito os beneficiários irão receber, mas o SUS e toda a assistência social ficarão eventualmente sem recursos. Precisamos pagar a conta? Sim, pois a raiz da tendência crescente do déficit é o sistema previdenciário que concede benefícios incompatíveis com um equilíbrio de longo prazo tais como aposentadorias precoces, benefícios a não contribuintes e valores distorcidos. O valor da conta dependerá de muita negociação no Congresso e com a União, que por sinal não recolhe como as empresas privadas. Pode até não ser tão amargo como está sendo vendido, mas certamente não será agradável.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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