Observatório econômico O mistério dos juros no Brasil

Publicado em: 04/08/2016 08:00 Atualizado em: 03/08/2016 22:34

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
A questão do juro no Brasil é hoje parte integrante das discussões sobre qualquer agenda sustentável, e já faz bastante tempo que está integrada ao debate popular, inclusive com correntes ideológicas já com discursos prontos e palavras de ordem na ponta da língua. Como tudo em economia, a questão do juro não é trivial e é repleta de particularidades pouco conhecidas, o que justifica algumas palavras sobre o tema.


Um ponto inicial, que muitas vezes confunde as pessoas, é que, em linhas gerais, há duas questões sobre juros no Brasil e não uma, como geralmente se considera. A primeira questão diz respeito aos juros da dívida pública, com pagamentos anuais que já superam os R$ 500 bilhões e que está associada à política macroeconômica. A segunda questão diz respeito à dívida privada, cujos juros são determinados pelo mercado e que, em muito, destoam dos juros que regem a dívida pública mesmo que ambos estejam relacionados.

O juro que equivale ao pagamento pelo uso do dinheiro é parte essencial da atividade econômica moderna. Não fosse a alavancagem provocada pelos empréstimos, em troca de juros, é provável que ainda estivéssemos na idade média em termos econômicos, culturais e sociais. Visto que juro é um preço, há de se questionar por que ele é tão elevado no Brasil, particularmente para o crédito privado. Sim, ele é alto, muito alto, altíssimo. Temos os juros mais elevados do mundo, de fazer corar de inveja qualquer agiota estrangeiro nos cinco continentes.

Por que eles são tão elevados? Pode-se inferir pelo menos duas razões diferentes, uma para cada tipo de juro. No caso da dívida pública o juro é elevado porque nossa economia ainda é muito sensível a expectativas, o que torna necessário encarecer (além do que seria razoável) o custo do capital para mitigar oscilações. No momento atual, por exemplo, a incerteza da economia mantém o juro sobre a dívida pública acima de 14% ao ano, o maior valor sobre títulos da dívida pública no mundo. Mas já foi bem pior, as incertezas de Lula em 2002 levaram os juros acima dos 25% ao ano, já melhorou muito. E para que manter caro o capital? Para reduzir a atividade econômica e reduzir a alta nos preços, a forma mais usada de política monetária.

Mas a dívida pública paga só 14% ao ano? Fazendo as contas temos que se qualquer banco ganha, no mínimo, 14% emprestando para o governo então ele cobra no mínimo isso para emprestar para o setor privado. E quanto ele cobra? De acordo com o Banco Central, em julho deste ano as famílias pagaram em média 41% a.a pelo crédito enquanto as empresas, 21% a.a.  Isto considerando todas as linhas inclusive as subsidiadas. Nas operações com crédito livre, as famílias pagaram 71%, chegando a mais de 400% no rotativo do cartão de crédito. Já as empresas pagaram em torno de 30% nas operações com crédito livre. O que explica toda esta diferença? O chamado spread bancário, que é a diferença entre o que o banco paga pelo seu dinheiro e o quanto ele cobra para emprestar o seu dinheiro.

O spread médio em julho, de acordo com o Banco Central, estava em torno de 22.7 p.p., chegando a 39.2 p.p. nas operações com crédito livre. Ele não é alto, ele é fantástico (para os bancos). No ambiente extremamente tecnológico que nossos bancos vivem, e com uma regulação que garante solidez ao sistema como um todo, não se admira que ano após ano, crise após crise, seja só lucro recorde em cima de lucro recorde. Basta concorrência? Não. É justamente essa solidez e este ambiente tecnológico que criaram as condições para que só os grandes sobrevivam, e assim eles podem e devem continuar a exercer seu poder de monopólio para determinar os preços (juros) de seus produtos. E nessa discussão nem o lado da demanda se salva, pois o consumidor brasileiro encara como “normal” que os juros sejam altos desde que as prestações caibam no orçamento. Temos aqui um tipo de ilusão monetária que economistas e psicólogos ainda levarão décadas para entender. Até lá...

(*) professor de Economia da UFPE.

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