Relatório O Leão do Norte está ferido pela crise Paralisação de obras no estado corta vagas de emprego e provoca queda da renda do trabalhador, levando à redução nas vendas do comércio varejista

Por: Rosa Falcão

Publicado em: 23/08/2015 08:26 Atualizado em:

Servente de pedreiro Luciano Martins, 38 anos,  experimenta o lado perverso da crise: o desemprego. Foto: Julio Jacobina/DP/D.A Press
Servente de pedreiro Luciano Martins, 38 anos, experimenta o lado perverso da crise: o desemprego. Foto: Julio Jacobina/DP/D.A Press
Os pernambucanos pagam caro a conta da crise econômica e a fatura da Operação Lava-Jato. A ilha de propesperidade e de empregos alavancada pelos grandes investimentos estruturadores do Porto de Suape sofre com o corte de postos de trabalho formais, o aperto da renda e a queda do consumo das famílias. O termômetro é a construção civil. O boom de vagas ofertadas no auge da efervescência econômica encolhe com a desativação dos canteiros, o aperto do crédito imobiliário e a paralisação das obras públicas. Nos últimos seis meses foram eliminados 68.767 empregos com carteira no estado. O consumo recuou em dez de 11 segmentos do varejo e a inadimplência galopa a passos largos. Até então imbatível, o Leão do Norte foi ferido no peito pela recessão.

Relatório conjuntural do Banco Santander intitulado O mapa da crise traça um diagnóstico da situação econômica das 27 unidades da federação frente ao aprofundamento da crise, turbinada pelo desemprego em alta, o consumo em queda e inflação se aproximando de dois dígitos (o IPCA-15 medido pelo IBGE atingiu 9,57%). Os economistas colocam Pernambuco no grupo dos quatro mais atingidos pela crise, ao lado de Amazonas, Rondônia e Amapá. A deteriorização do mercado de trabalho é um sinal. Enquanto os estados vizinhos do Ceará e Alagoas apresentam crescimento acima de 1% do emprego formal, aqui a taxa cai a 5%.

Um dos responsáveis pelo estudo, o economista Everton Gomes diz que a crise bate forte em Pernambuco porque o emprego formal foi puxado pela construção civil, um dos setores mais afetados pela corte de vagas. Em 2012, 12,5% da população empregada no estado estava nos canteiros de obras, acima da média de 8% do país. A inversão acontece a partir de junho de 2014, quando 45% do total de vagas formais destruídas estão no setor. “A construção viveu um boom com as obras na refinaria e estaleiros. Era um fator que jogava positivo e agora joga contra Pernambuco”, diz.

O servente Luciano Martins, 38, surfou na onda do emprego. As construtoras disputavam mão de obra com as grande sobras de Suape. Agora ele experimenta o lado perverso da crise: o desemprego. “A gente saía de uma obra e logo entrava em outra. Tenho 16 anos de profissão e nunca demorei tanto para conseguir emprego”, conta. Luciano faz biscates no bairro onde mora, em Maranguape II, Paulista. Aplica cerâmica, levanta laje, pinta paredes. Assim vai ganhando a vida. “É pouco, mas pelo menos eu tenho dinheiro para as despesas. Não adianta deixar currículo e esperar porque não tem vaga”.

Aperto do crédito imobiliário, estados e municípios sem caixa, obras públicas paradas, mudanças nas regras do financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida. Segundo Gustavo Miranda, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-PE), a conjungação desses fatores engrossou o caldeirão das demissões. “A situação é preocupante. Estamos perdendo 2 mil postos de trabalho por mês. A tendência é de retração do mercado de trabalho”. O corte de vagas acende o sinal vermelho. “Estamos preocupados com a paralisação das obras públicas e a falta de financiamento”, reforça a presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Dulcilene Moraes. No pico da obras o setor empregava 173 mil trabalhadores. Hoje caiu para 127 mil.

Freio no crescimento

O pico de crescimento de 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 descolou a economia pernambucana da atividade econômica do país. A aceleração do motor com os investimentos estruturadores seguiu até 2012. A partir de 2013, o PIB dá sinais de desaceleração, o que se acentua em 2014 com a crise econômica. Mesmo assim, o crescimento de 2% da economia de Pernambuco é destaque no Nordeste diante do desempenho pífio de 0,1% do PIB do país.

Os efeitos colaterais da crise se aprofundaram este ano com a Operação Lava-Jato, que atingiu em cheio coração do desenvolvimento de Pernambuco, o Complexo Industrial e Portuário de Suape, onde ficam as obras da Petrobras. De acordo com os economistas, as novas fábricas instaladas no estado, entre elas a Jeep, em Goiana, amenizaram os efeitos nefastos, mas são insuficientes para reparar o estrago das demissões em massa nos canteiros de obras e a perda de empregos com carteira assinada.

Ao mesmo tempo, a aceleração da economia pernambucana puxou os índices positivos para cima, o que torna mais evidente , agora, os efeitos negativos da crise, com o aumento do desemprego e a queda da renda das famílias. Maurílio Lima, diretor técnico da Agência Condepe-Fidem, destaca que o crescimento econômico do estado foi ancorado nos últimos anos pelas obras de Suape. Segundo ele, fechado o ciclo da construção civil, falta colher os frutos da industrialização.

“A crise travou o avanço desses empreendimentos de Suape, como as obras do segundo trem da Refinaria Abreu e Lima e da Petroquímica Suape”, salienta. Segundo Lima, as outras regiões mais afetadas pela crise apontadas pelo estudo do Santander também foram atingidas pela Lava-Jato. Ele cita a paralisação das obras das usinas hidrelétricas, no Amapá e Roraima, e o Amazonas, com a desaceleração da Zona Franca de Manaus.

O economista e professor da Faculdade dos Guararapes José Raimundo Vergolino diz que Pernambuco passa pelas “dores do crescimento.” Segundo ele, na fase de implantação dos grandes projetos (os estaleiros, a Petroquímica Suape e a Refinaria Abreu e Lima) a indústria da construção civil “bombou” com 40 mil postos de trabalho.
A desmobilização das obras coincidiu com a Lava-Jato, suspendendo os investimentos da Petrobras. O economista aponta o ajuste fiscal, com o corte de verbas federais e a paralisação das obras públicas, como um dos fatores do agravamento da situação financeira dos estados e municípios.

Mesmo com a tempestade, Vergolino destaca que Suape pulsa forte, e a chegada do polo automotivo com a fábrica da Jeep levarão Pernambuco ao caminho de volta do crescimento, com a retomada do emprego. Além disso, o economista vislumbra a retomada das obras da transposição do São Francisco e da Ferrovia Transnordestina, em 2016, como indutoras de um novo ciclo de desenvolvimento. “Pernambuco tem fôlego porque está se industrializando, mas terá que fazer o dever de casa, diminuindo a máquina pública”.

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