Violência Moradoras do campo são mais expostas a agressões de familiares e maridos Em 2016, 12.328 moradoras de áreas rurais pediram ajuda ao Disque 180. DF é a unidade da federação com maior número de denúncias

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 24/04/2017 21:17 Atualizado em:

O calvário das vítimas do machismo é potencializado nas áreas rurais. Seja pelo consumo abusivo do álcool por parte do homem, seja pelas condições patriarcais arraigadas, seja pelo histórico de violência doméstica, as mulheres do campo estão expostas e vulneráveis. No ano passado, 12.328 moradoras de regiões mais afastadas dos centros urbanos pediram ajuda ao Disque 180, serviço do governo federal.
  
No ranking, o Distrito Federal aparece como a unidade da Federação onde elas mais ligaram em busca de auxílio em 2016. Para a Secretaria de Políticas para Mulheres, responsável pelo levantamento, a estatística mostra que, cansadas da submissão, elas se encorajaram para acabar com agressões e humilhações.

Foi o que fez Rosângela Rosa da Conceição, 33 anos, cujo sofrimento aparenta aumentar a idade da mãe de quatro filhos. Casada com Hélio Lourenço de Souza, 38, a doméstica sempre vivenciou contexto de brigas dentro de casa. Ela presenciava as cenas de violência entre os pais e nunca imaginou que um dia pudesse se tornar refém do marido, com quem vive há 18 anos no Núcleo Rural Lago Oeste, em Sobradinho. “Ele sempre chegava alterado e nervoso por causa da bebida, mas me ignorava. Até que um dia judiou de mim”, desabafa.

Os motivos das discussões eram os mesmos: o relacionamento extraconjugal mantido pelo vaqueiro. Durante quatro anos, ele teve uma amante. A mulher, porém, sempre insistiu no relacionamento por causa da família. Mas, em 2 de janeiro, os desentendimentos entre o casal terminaram em agressão.
 
Hélio puxou o cabelo da mulher, bateu nas costas dela e a xingou. Rosângela procurou o hospital e lá, após atendimento médico, denunciou o homem com quem se casou quando tinha 14 anos. O caso virou ocorrência policial e chegou às mãos da juíza titular da Vara de Violência Doméstica de Sobradinho, Rejane Suxberger. “Eu sempre tentei (continuar no relacionamento) para criar os meus filhos e por causa deles. Por isso, fingia que não sabia (da traição), mas nunca me imaginei nesta situação”, lamenta Rosângela.

A vítima recebeu medida protetiva. Hélio precisou se afastar da mulher e teve de sair casa. Mas, na manhã de 5 de abril, a magistrada fez uma visita à residência do casal para certificar o cumprimento da ação. O Correio acompanhou o momento em que, ao lado da Polícia Militar, Rejane segue a rotina de ir até as casas de mulheres beneficiadas com a proteção para acompanhar a situação.
 
Hélio, porém, estava na residência. Sem a bebida, Rosângela o aceitou de volta. O vaqueiro, que hoje trabalha na horta da casa, conta que, desde antes de bater na mulher, havia abandonado o relacionamento fora do casamento. “Ela acreditou em mim mais uma vez e vou fazer de tudo para não decepcioná-la. Na hora, nem sei o que passou pela minha cabeça”, diz.

Responsabilidade 
Em Sobradinho, 30 mulheres sob risco de morte são atendidas pelo programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar. A partir do convênio com algumas varas de violência doméstica, são realizadas visitas a mulheres e a famílias em situação de risco.
 
Na região, a juíza Rejane Suxberger acompanha as visitas com regularidade mensal. No caso das mulheres da área rural, elas não estão incluídas na lista do Provid; por isso, a magistrada faz questão de visitá-las na companhia de uma equipe da PM. Caso haja necessidade, as famílias rurais são incluídas na assistência do programa.

Segundo Rejane, 99% das mulheres estão amparadas com medidas protetivas. Quando há dúvida na concessão do benefício, é marcada uma audiência com, no máximo, 10 dias. Mas uma das principais preocupações é que ela não seja revitimizada. Por isso, a proposta é acolhê-la e repassar a responsabilidade do ato, quando confirmado, para o homem. Até março, 2.931 processos de violência doméstica tramitavam na vara da qual a magistrada é responsável.

Para tentar romper as barreiras do machismo, ocorrem grupos de reflexão para homens, mulheres e casais. “Como a violência é naturalizada, os homens se sentem injustiçados e não sabem por que estão sendo processados. Eles não conseguem ver a hipossuficiência da pessoa fragilizada, porque o discurso machista de desqualificação da mulher está arraigado na sociedade. O processo criminal precisa existir para romper com essa violência”, ressaltou Rejane (leia Quatro perguntas para).

Para levar esses esclarecimentos à população feminina, a juíza promove o evento anual “Ação solidária: rompendo o silêncio”. A próxima edição ocorre das 9h às 14h, em 5 de junho, na Fercal, em Sobradinho. A programação, que conta com brincadeiras para crianças e ações sociais, como realização de exames e emissão de identidades, é promovida em parceria com o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), a Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF) e a Polícia Militar.



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