Obstáculos Pesquisa sobre vírus zika em Pernambuco está parada por falta de dinheiro País ainda não enfrentava explosão de casos de microcefalia quando o projeto foi elaborado

Publicado em: 06/05/2016 12:51 Atualizado em:

 Em novembro do ano passado, o imunologista Rafael França foi o primeiro pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) a ter projeto aprovado para receber financiamento para investigar o vírus zika em Pernambuco.

Quando o projeto foi elaborado, o país ainda não enfrentava a explosão de casos de microcefalia relacionados ao vírus.

O pesquisador foi selecionado para receber R$ 2 milhões divididos entre os governos do Reino Unido e de Pernambuco.

Mas o estudo de Rafael França está praticamente parado, conforme o pesquisador, pois os recursos ainda não chegaram.

O projeto foi selecionado em edital lançado pelo Fundo Newton — programa do governo britânico que reúne diversas instituições que financiam pesquisa no Reino Unido — sobre doenças infecciosas e negligenciadas. Pelo Reino Unido, R$ 1,5 milhão deverão vir do MRC UK (Medical Research Council). O edital prevê uma contrapartida de R$ 505 mil da Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco).

“Está parado, a gente não consegue fazer as coisas no laboratório porque a pesquisa como um todo é cara. Os alunos do meu laboratório estão fazendo coisas com resto de material de bancada e a gente não tem muitos meios de contornar isso”, disse Rafael França.

O projeto de França pretende estudar a resposta do sistema imunológico das pessoas infectadas pelo vírus. Esse sistema é acionado sempre que há uma infecção, e é o responsável por combater e eliminar a doença.

— No caso do zika, pode ser que as manifestações neurológicas sejam decorrentes da ativação do sistema imune tentando controlar a doença, e isso ocorre em várias doenças. Se sabemos como o sistema imune se comporta naquela infecção, a gente consegue, por exemplo, desenvolver tratamentos para regular a ativação do sistema imune e o surgimento dos sintomas.

A investigação deveria ter iniciado em janeiro deste ano, segundo o pesquisador. Porém, o contrato com a Facepe foi assinado em março. O edital não estipula prazo determinado para receber os recursos, mas a vigência do projeto teve início em janeiro deste ano.

De acordo com Rafael França, colaboradores do Reino Unido, no Center of Virus Research, da Universidade de Glasgow, já receberam a parcela de financiamento. “

— Isso compromete o cronograma da pesquisa como um todo. Não tem um prazo, mas assinamos um projeto para 3 anos, e ao fim do prazo vou ter que entregar algumas coisas que me comprometi. E até agora não consegui fazer quase nada por causa da falta de recursos.

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Além da compra de material de laboratório e outros insumos, os recursos servem, por exemplo, para contratação de uma equipe de pesquisadores. A contratação de doutor recém-formado, conforme Rafael França, custa cerca de R$ 60 mil por ano.

Fundo Newton
À Agência Brasil, o Fundo Newton informou, em nota, que “a atuação do Fundo Newton nos 35 países onde ele se faz presente, incluindo o Brasil, envolve a contrapartida dos parceiros locais, em diferentes modalidades de acordos de cooperação. A responsabilidade sobre a destinação dos recursos acordados nas parcerias celebradas sob os auspícios do Fundo Newton, entre instituições britânicas e suas contrapartes brasileiras, é de responsabilidade exclusiva das mesmas”.

MRC
O Medical Research Council confirmou, em nota, que os pesquisadores do Reino Unido já receberam parte dos recursos. A instituição informou que o repasse ao pesquisador brasileiro deve ser feito pela Facepe.

"O financiamento do MRC é concedido à instituição do Reino Unido (Universidade de Glasgow) e o financiamento da Facepe é concedido para a instituição brasileira. Em nossos registros, a MRC já está fazendo a concessão para este projeto desde janeiro de 2016 e fizemos o primeiro pagamento à instituição do Reino Unido, conforme o nosso processo padrão de financiamento. Podemos confirmar que cumprimos integralmente os pagamentos previstos até a data e esperamos continuar a fazer pagamentos de acordo com o nosso processo padrão", disse.

Facepe
Já a Facepe informou que a contrapartida estadual será paga em três parcelas, no valor total de R$ 505 mil, em 2016, 2017 e 2018. A instituição já solicitou R$ 200 mil à Secretaria da Fazenda de Pernambuco para o pagamento da primeira parcela e aguarda o repasse dos recursos.

O diretor-presidente da fundação, Abraham Sicsu, afirmou que existem diversos trâmites até a efetiva liberação dos recursos. “Na verdade, está dentro do prazo normal. Houve inclusive um atraso de documentação, mas isso é normal, agora é só esperar a liberação da Secretaria da Fazenda”, disse.

— É a primeira vez que se faz esse processo mais estruturado com Fundo Newton, e houve atraso nosso, dele, mas coisa pequena, e está dentro do ritmo normal.

Sicsu disse ainda que não é possível estimar a data do pagamento da primeira parcela da contrapartida.

— Vocês sabem que o Brasil está com uma crise séria. Todos os estados estão priorizando as liberações. Vai ser liberado o mais rápido possível, e eles nunca demoram em excesso. Mas prazo eu não posso dar. Para não dar nenhum problema legal, só posso lançar edital se eu tiver orçamento para cumprir. Mas quem paga não somos nós, a Facepe não tem dinheiro, tem orçamento.

De acordo com o diretor-presidente, há também um passivo de pagamentos a projetos financiados no ano passado, que serão honrados.

— Teve projetos que foram adiados, no seguinte sentido: no ano passado, não havia dinheiro para pagar e todos foram notificados, foi colocado no site da Facepe. Temos um passivo de R$ 6 milhões que estamos pagando este ano como prioridade.

Na última quinta-feira (28), a instituição publicou o resultado de outro edital, com recursos de Pernambuco, para contemplar 21 projetos relacionados ao zika vírus. São R$ 3 milhões, dos quais R$ 1 milhão é do orçamento da Facepe e R$ 2 milhões da Secretaria de Saúde.

A Secretaria da Fazenda de Pernambuco declarou, por meio da assessoria de imprensa, que não vai se manifestar sobre o assunto.

Crise afeta pesquisa no país
Não é a primeira vez que o pesquisador Rafael França enfrenta o problema de atraso em repasse para pesquisas. Em 2014, teve um projeto sobre HIV aprovado para receber recursos no valor de R$ 30 mil do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Porém, até hoje França não recebeu o repasse.

— O valor é irrisório para uma pesquisa. Mesmo esse valor não foi repassado e isso compromete todo o projeto.

“A última ligação que fiz disseram que sairia em breve, isso foi no ano passado. Por fim eu desisti desse projeto”, lamentou o pesquisador, que iria estudar falhas terapêuticas que ocorrem no tratamento de pacientes com antirretrovirais, o que poderia auxiliar na busca de tratamento mais avançados.

No mesmo edital, a biomédica Valéria Pereira Hernandes, tecnologista sênior em Saúde Pública da Fiocruz, recebeu R$ 19 mil dos R$ 60 mil previstos para pesquisa que visa identificar substâncias eficientes no combate à Doença de Chagas e leishmanioses.

Valéria Hernandes revela que faz um “exercício de economia radical” para levar o projeto adiante, mas que “uma hora vai ter que parar”.

"Eu já tive sorte, outros colegas nem receberam. A maior parte dos pesquisadores da minha unidade tem dinheiro virtual. O projeto é aprovado, mas os recursos ainda não foram liberados”, disse, criticando a liberação de novos recursos quando editais anteriores não foram totalmente pagos.

Em resposta à Agência Brasil, o CNPq confirmou que parte do Edital Universal de 2014 ainda não foi pago, mas ressalta que “no que tange seus recursos orçamentários próprios, o CNPq não tem nenhuma dívida com o referido Edital Universal” e que o depósito de recursos “é uma etapa posterior que depende de liberação de fontes como o Tesouro Nacional”.

“Portanto, não há qualquer impedimento em abrir um novo edital com os restos a pagar do anterior”, informou. A instituição também argumenta, na nota, que não existe desequílibrio orçamentário no CNPq, “o que existe é um orçamento aquém das necessidades.”

A pesquisadora Norma Lucena, da Fiocruz em Pernambuco, ainda não recebeu financiamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) para estudo relacionado ao câncer de colo uterino. “Tenho uma reunião com eles em maio. Acredito que devem liberar, mas de modo geral está suspenso”, disse a pesquisadora, sem informar o valor do repasse.

— Pode até ser um recurso pequeno, mas por menor que seja é essencial. O mais importante é que não é uma questão de uma instituição só, é nacional. É uma consequência da crise político-econômica do país. É uma questão geral e para todos os pesquisadores.

A Finep informou que “possíveis atrasos na liberação de recursos estão ocorrendo em decorrência dos cortes orçamentários anunciados pelo governo, e de contingenciamentos de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico”. A Finep tem efetuado os repasses de recursos conforme a sua disponibilidade de caixa”, diz nota da financiadora.

A instituição acrescenta que os editais em vigência seguem cronograma com várias etapas, e que a liberação do recurso só ocorre ao final do processo.

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