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Telegram abriga canais neonazistas e sugere conteúdo a usuários

Apesar de sanções da Justiça, plataforma direciona conteúdo de ódio para usuários de canais antivacina e conspiracionistas. No Brasil, estudo mapeou 492 mil posts neonazistas entre 2016 e 2025

Correio Braziliense

Publicado: 08/09/2025 às 08:44

Levantamento feito pelo pesquisador Ergon Cugler, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mapeou 737.783 conteúdos em comunidades neonazistas do Telegram de 2016 a 2025 em toda a América Latina./crédito: Getty Images

Levantamento feito pelo pesquisador Ergon Cugler, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mapeou 737.783 conteúdos em comunidades neonazistas do Telegram de 2016 a 2025 em toda a América Latina. (crédito: Getty Images)

Um dos principais concorrentes do WhatsApp no Brasil, a plataforma de mensagens Telegram tem lucrado com a exposição de conteúdo neonazista em canais abertos.

Levantamento feito pelo pesquisador Ergon Cugler, do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mapeou 737.783 conteúdos em comunidades neonazistas de 2016 a 2025 em toda a América Latina.

O Brasil lidera, com 492 mil publicações do gênero. Atualmente, há 118 mil usuários ativos nesses grupos, sendo 35,2 mil somente no país.

A maioria dos canais é acessível pelo algoritmo do Telegram, que os recomenda para usuários que interagem com conteúdo de extrema-direita e teorias da conspiração, como grupos antivacina. Esses ambientes são a porta de entrada para publicações mais extremistas, já que a plataforma identifica a preferência e sugere cardápio em aba intitulada "canais similares".

Foi por meio desse mecanismo que o pesquisador Ergon Cugler encontrou as primeiras publicações nazistas. Ele pesquisava comunidades de conspiração no Telegram e percebeu que, além de esbarrar frequentemente em exaltações a Adolf Hitler e ao partido nazista alemão, era possível acessar facilmente novas comunidades.

Outro problema é que vários canais encontrados pelo pesquisador — também localizados pela reportagem — foram criados há anos, demonstrando falha na moderação do Telegram. As primeiras postagens datam de 2016 e seguem no ar. Vários estão há anos sem atualizações, mas isso, para Cugler, não significa que estejam fora de uso.

"Não importa se lá atrás houve muita postagem e agora não. O ponto é que elas acabam servindo de biblioteca on-line. Não é preciso publicar mais, já tem tudo disponível ali para quem quiser montar um kit nazista em casa", alertou Cugler ao Correio.

"Esses canais nunca foram derrubados. Os conteúdos, em alguns casos, estão no ar há nove anos. Na prática, vemos uma omissão das plataformas digitais e especialmente no caso do Telegram", afirmou.

Discurso de ódio


Para replicar o levantamento, o Correio fez uma busca simples no Telegram por termos usados comumente em grupos de extrema-direita. Os canais por vezes tinham títulos sem essas palavras, mas com conteúdo de ódio e também redirecionavam, via "canais similares", a comunidades com postagens ainda mais extremistas.

Os temas mencionados nos grupos vão de revisionismo histórico e conspiracionismo a exaltações explícitas ao nazismo e ao fascismo italiano, com fotos e citações. Em várias comunidades é possível encontrar livros sobre ideias nazistas e outras ideologias radicais. Onde predomina o neonazismo, o ódio contra judeus é o mais frequente, inclusive com compartilhamento de manifestos e documentos escritos por nazistas.

Grupos LGBTQIA , negros e imigrantes também são alvos, inclusive com uso de inteligência artificial para gerar imagens racistas. Também é possível encontrar vídeos de violência extrema, como assassinatos e mutilações.

O pico de publicação desses conteúdos, segundo o estudo, foi em 2021, segundo ano da pandemia, com a explosão de grupos conspiracionistas nas redes sociais. "Havia pessoas preocupadas com a covid, com a pandemia, e que foram procurar curas milagrosas, remédios alternativos, achavam que era o apocalipse", explicou.

Ele apontou ainda um aumento vertiginoso nas publicações. "O crescimento nos movimentos antivacina saiu de cerca de cinco mil, seis mil, 10 mil posts mensais para 1,7 milhão em um único mês. Me parece que essas comunidades cresceram na crista da onda, com o movimento de teorias da conspiração e negacionistas", disse o pesquisador.

Terra sem lei


Em abril de 2023, o Telegram foi retirado do ar no Brasil após decisão judicial por ignorar pedidos de informação sobre grupos neonazistas suspeitos de envolvimento em ataques a escolas. À época, as determinações não foram integralmente cumpridas, e Justiça Federal do Espírito Santo determinou a derrubada da plataforma. O mensageiro voltou ao ar pouco depois com uma nova determinação.

No mês seguinte, a plataforma voltou a ser alvo da Justiça, desta vez do Supremo Tribunal Federal (STF), por disparar a milhares de usuários no Brasil uma mensagem contra o Projeto de Lei das Fake News, que regula a atuação das redes sociais e está atualmente parado na Câmara dos Deputados.

A companhia alegou que o texto acabaria com a liberdade de expressão e que era "uma das legislações mais perigosas já consideradas no Brasil". O STF ordenou a exclusão da mensagem, sob pena de suspensão. Naquele mesmo mês, também determinou que a empresa indicasse um representante legal no Brasil.

Procurado pelo Correio, o Telegram disse que tem trabalhado "proativamente" para retirar conteúdos "nocivos" de circulação todos os dias.

"Desde sua criação, o Telegram tem moderado ativamente conteúdos nocivos. Moderadores, com apoio de ferramentas de inteligência artificial personalizadas, monitoram proativamente as áreas públicas e aceitam denúncias, removendo milhões de conteúdos nocivos todos os dias", disse a plataforma em nota.

Segundo a empresa, já foram removidos mais de 22 milhões de grupos e canais que violam seus termos de serviço em todo o mundo, incluindo conteúdos de incitação à violência, abuso infantil e comércio de produtos ilegais. Desse total, 166 mil eram de comunidades relacionadas ao terrorismo.

As informações são do Correio Braziliense.

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