Santo Antônio e São José, dois bairros irmãos

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 11/06/2019 03:00 Atualizado em: 11/06/2019 08:43

Dentro de uns dias, a comunidade católica do Recife estará festejando esses santos, certamente dois dos mais populares do calendário, ao lado de S. João e S. Pedro. Um intermediário de namoros, alvo de tantas promessas de moças em busca de um noivo, um patrocinador de boas colheitas, como cantou Gonzaga, pedindo a S. João que falasse com o pai de Jesus pra ele ajudar pra “o milho dar vinte espigas em cada pé”. E logo as festanças, em torno das fogueiras, comedorias, comemorações que até os pobres podem realizar: qualquer pedaço de pau pode servir, e o milho não aumentou de preço desde o ano passado. O Recife cresceu a partir da proteção de Santo Antônio e de São José. Dois bairros irmãos, segundo o título do último livro de um grande apaixonado por nossa cidade. O livro de Jacques Ribemboim, lançado sábado último na Academia Pernambucana de Letras é quase uma enciclopédia, perpassada pelo amor, e que a gente lê de um trago. Tem mais de 300 páginas e quase uma fotografia por página, imaginem: de igrejas ainda existentes ou demolidas pra nossa tristeza e descaso (uma dor, nas imagens da Igreja dos Martírios e o Pátio do Terço,e a gente se pergunta se era mesmo imprescindível a destruição dessas marcas de nosso passado), de imagens de gente do povo em procissões, em festas diversas (carnaval, noite dos tambores silenciosos). Em habituais cenas de rua, comprando peixe e frutas no Mercado de S. José, dançando frevo na Praça Sérgio Loreto, representada por belas fotos coloridas, a gente mais humilde da cidade ou de classe média, que levou adiante tradições da vida recifense através dos séculos, amando o Recife, vivendo o Recife. Diante de um auditório repleto, participante e atento, Jacques falou bonito: lembrou as palavras de Steinbeck “Como nos reconheceremos sem nosso passado?” Lembrou que uma cidade é também, e sobretudo, seu patrimônio imaterial, as pessoas que a construíram, que participam de sua vida, que a amam. Comovido, pediu que, em nossos passos pelo Recife, pensássemos naqueles que andaram por aqueles becos e ruas, pisaram nas mesmas calçadas, marcaram a história com seu sangue, como os revolucionários de 1817, como Frei Caneca saindo da prisão na atual prédio do Arquivo Público, antiga cadeia. Apresentando o livro, em reconstituição sentimental, Margarida Cantarelli lembrou cenas da vida recifense, as moças desfilando na Rua Nova, sob os olhares dos rapazes, nas novidades na loja Sloper e a escada rolante da Viana Leal, sinais de progresso. Dulce Albert cantou Recife cidade lendária de pretos de engenho cheirando a bangüê. E o filme desse talentoso cineasta Osman Godoy, com imagens de grande beleza, completou a alegria da tarde sábado. Sob os aplausos do grande público que lotou o auditório da APL, formado por intelectuais, amigos, companheiros de lide de Jacques pela preservação do que resta das praças da cidade, da arquitetura da cidade, do verde da cidade. Detalhe: a primeira edição do livro se esgotou nesse festivo lançamento.

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