O STF, o Congresso e a Democracia

Inaldo Rocha Leitão
Advogado, ex-deputado federal e ex-presidente da CCJ da Câmara dos Deputados.

Publicado em: 05/06/2019 03:00 Atualizado em: 05/06/2019 09:12

A ideia de o Estado ter três poderes harmônicos e independentes entre si surgiu com Aristóteles e foi melhor desenhada na obra O espírito das leis, de Montesquieu, no distante ano de 1748. Assim, Executivo, Legislativo e Judiciário cumpririam papéis distintos, de forma harmoniosa e sem subordinação, mas cada um com suas limitações, em contraponto ao poder absoluto. Criador do sistema de freios e contrapesos, Montesquieu sustentou a limitação do poder pelo próprio poder, delimitando o campo de atuação de cada um deles.

O sistema de tripartição de poderes, com efeito, está consagrado no sistema constitucional brasileiro desde a primeira Carta da República (1891) até os dias atuais. Ao Poder Executivo cabe a administração do Estado, em absoluto respeito às leis vigentes, enquanto ao Poder Legislativo cabe a tarefa de legislar e fiscalizar os demais Poderes. Por fim, cabe ao Poder Judiciário interpretar e aplicar as leis aos casos concretos. No Brasil de hoje, porém, alguns conflitos interpoderes parecem contrariar essa teoria de Montesquieu.

Mas isso não justifica que pessoas saiam às ruas e, a pretexto de defender o governo do Presidente Jair Bolsonaro, incluam bandeiras como o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Só a cegueira política, temperada com a ignorância, seria capaz de explicar esse brutal equívoco, posto que colocam nessa tresloucada agenda o fim da democracia. Ou a volta da ditadura.

O ativismo judicial da Suprema Corte é fato indiscutível, como salientam alguns ministros, entre os quais Marco Aurélio Mello. O exemplo mais recente diz respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 e no mandado de Injunção nº 4.733, através dos quais pretende-se criminalizar a homofobia, equiparando-a ao crime de racismo. Já há maioria no pleno do STF para essa decisão que se configura claramente como um ato legislativo.

Os ministros favoráveis à criação desse novo tipo penal justificam suas posições em duas ordens de razão: a uma, ante a demora do Congresso Nacional em aprovar a lei que tipifica a homofobia como crime; a duas, porquanto as agressões contra o público LGBT é comparável ao crime de racismo. São dois argumentos que não resistem a qualquer análise. A mora do Congresso em legislar não confere a outro Poder o direito de substituí-lo. Entre outras ações, há uma tramitando no STF com 49 anos de idade – a Ação Civil Originária (ACO) 158.

Quanto ao exercício hermenêutico de estender um tipo penal (homofobia) a outro existente (racismo), há um óbice insuperável estampado no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, que tem a seguinte dicção: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Estão presentes nesse comando dois princípios – o da legalidade e o da anterioridade. Em sede infraconstitucional, o art. 1º do Código Penal reproduz os precitados princípios.

Apesar desse descompasso do STF em relação a uma atribuição que é do Congresso Nacional, a instituição merece respeito e sua existência é um pilar essencial à democracia. Divergências são próprias de órgãos colegiados e o que importa é que a maioria sempre prevalece, seja tecnicamente imprópria ou não a decisão prolatada. A fala do presidente Jair Bolsonaro de desencorajar os bolsonaristas no ataque ao Supremo e ao Congresso foi providencial para que os ânimos não se acirrassem mais ainda.

A relação um tanto turbulenta entre o Poder Executivo e o Parlamento, no momento mais retraída, é outro fator que gera instabilidade política e sempre traz consequências negativas na economia. Os Poderes precisam se entender e seguir à risca a teoria tripartite de Montesquieu. Noutra senda, setores organizados da sociedade precisam ampliar o grau de tolerância, abrir o coração para conviver na divergência e compreender que o Brasil deve, realmente, estar acima de todos os interesses. Precisamos de ações de governo que reduzam as desigualdades sociais, gerem emprego e afastem das diversas esferas de poder a corrupção. A democracia agradece.

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