A dor dos migrantes

Bartyra Soares
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 01/06/2019 03:00 Atualizado em: 02/06/2019 18:40

Mais do que nunca, o processo migratório se expande mundo afora. O terrorismo, a guerra, as incompatibilidades e problemas político-econômicos, as barreiras de toda ordem são as principais causas para que as pessoas abandonem suas casas, seu chão, sua pátria, seus sonhos mais elevados. Não é mais o desejo do homem primitivo, nômade, partindo em busca de melhor caça, de águas mais férteis para a pesca. É muito mais do que os sertanejos arribando, empurrados pela seca e pela fome.

Salvo exceções e felizmente não são poucas, os governantes de muitos países recusam receber estes filhos da dor, da angústia, do medo, inclusive da morte prematura se não forem acolhidos. O escritor e professor Luiz Otavio Cavalcanti sabe disso: “Migrar é despedaçar-se. Vão-se uns pedaços. E ficam outros pedaços”. (...) “Quem migra, bota uma geografia em cima de outra. Geografia física. E geografia humana”. O poeta Alberto da Cunha Melo também sabia: “...com seus filhos / ou a lembrança de seus filhos, / com seu povo / ou a lembrança de seu povo, / todos emigram...”

Esquecidos disso, um dos nossos maiores erros quando olhamos para a problemática dos refugiados é pensar em multidões em fuga, uma massa disforme, na qual só se teme uma invasão descontrolada e destruidora aos países para onde se dirigem. Essa imagem afeta a compreensão do que significa a tragédia de cada um desses seres. As massas apagam a individualidade das pessoas, suas vozes, seu pranto. Tiram-lhes a alma, a face. Na verdade, se possível fosse, os governantes deveriam parar diante de cada pessoa em marcha, sem acelerar os passos em direção ao lado oposto. E ser capazes de lançar a cada migrante o humano olhar da empatia.

Quando se capta esse ângulo primordial, ao invés de se falar só de números e de fatos, se é capaz de se entender a anormalidade da existência do homem em processo de arribação. Aquele que premido por tantas razões se deixa levar pela iniciativa da partida, da fuga. É um portador da coragem e da determinação, um condutor da força resiliente, carregando consigo, apesar de tudo e contra tudo, a esperança de encontrar no futuro uma vida menos dolorosa, mais digna.

Para a maioria dos seres humanos, abrigados em suas casas, em seus países, quando se pensa em refugiados vem de imediato a pergunta: “Quem são?” E logo criam argumentos pejados de respostas preconceituosas. “São diferentes”, “têm outra religião e outros hábitos”, “Quem sabe? São terroristas, ou traficantes ou usurpadores do poder”. Nas discussões nos espaços públicos, nos discursos de muitos governantes, na dinâmica midiática cheia de exemplos desse tipo, faz-se com que, cada vez mais, cresça a pira da indignação. E, assim, quase ninguém se lembra de que somos tão iguais, qualquer que seja o nosso nível cultural, profissional ou escolha religiosa. O amor à família, o sonho de uma estabilidade em todos os aspectos, o desejo de trabalhar ou a busca de sentido e de um propósito para a vida unem-nos como família humana e universal.

Os responsáveis em conduzir os destinos dos países, alheiam-se dessa realidade e logo descobrem motivos para transferir culpas e fazer acusações. E na indignação de pessoas resguardadas nos seus palácios governamentais, nas suas casas, não hesitam em atirar em todas as direções, uma vez que encontrados os “culpados” podem prosseguir em paz. Nada lhes retira o sossego e de consciência tranquila deitam-se e dormem o profundo sono dos “justos”.

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