Salomão Kelner

Cláudio Lacerda
Cirurgião. Professor da UPE e da Uninassau.

Publicado em: 30/05/2019 03:00 Atualizado em: 30/05/2019 09:10

O lançamento do livro Salomão Kelner: um marco na medicina pernambucana, que ocorreu no dia 23 de maio, no Museu do Estado, foi tão grandioso quanto ele, o biografado. Parabéns a Gilda Kelner e a Djalma Agripino, seus autores, pela riqueza da obra.

Na sala de reuniões do Serviço de Cirurgia Abdominal e Transplante de Fígado que dirijo, no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, há na parede a fotografia de um rosto. Gosto muito quando os estudantes perguntam de quem se trata. Isso me enseja a oportunidade de mais uma vez contemplar aquele sorriso contido, quase tímido, de um Mestre que marcou sua existência pela dignidade, pela generosidade, pelo espírito de solidariedade humana, pelo pioneirismo, pela tenacidade e pela humildade. É isso que digo aos alunos.

Sem desmerecer os outros grandes ícones da medicina pernambucana, cujas fotografias também poderiam estar naquela sala, o culto à memória de SK justifica-se porque, todos nós, que trabalhamos ali, como cirurgiões e professores, nos sentimos discípulos dele e nutrimos por ele um imenso sentimento de gratidão. Talvez por isso, ouso dizer que somos os mais legítimos herdeiros do seu legado e que o nosso serviço de cirurgia, onde ele nunca esteve pessoalmente, é a mais fiel continuidade da sua Escola.

Quem teve o privilégio de trabalhar com ele ou dele receber alguma influência, sabe que na história da cirurgia pernambucana há duas eras distintas: antes e depois dele. Com ele aprendemos que, pelo menos no Nordeste do Brasil, um dos papéis mais importantes da medicina é a promoção da justiça social. Com ele aprendemos que a formação de um bom médico não prescinde da visão crítica, acadêmica e do gosto pela pesquisa. A propósito, coerente com essa visão, criou o Curso de Mestrado em Cirurgia da UFPE, onde dezenas de teses foram defendidas ao longo das últimas quatro décadas.

Graças a essa visão científica, ele foi capaz de compreender como ninguém as peculiaridades fisiopatológicas da esquistossomose mansônica, doença muito nossa, e suas diferenças da cirrose. Com isso evitou que centenas de milhares de brasileiros fossem tratados com intervenções radicais, aceitáveis para cirróticos, mas desastrosas para esquistossomóticos, a longo prazo.

Por tudo isso, como discípulo fiel, hoje em posição de liderança, que soube assimilar e pôr em prática as mensagens e os ensinamentos do Mestre, tenho orgulho por ter assumido a missão de dar continuidade à Escola do professor Salomão Kelner. Bem haja a sua memória, eternizada na magnífica obra.

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