Editorial Risco da demonização da política

Publicado em: 11/05/2019 03:00 Atualizado em: 12/05/2019 16:24

Dois ex-presidentes da República estão encarcerados. Outros dois respondem a processo na Justiça. Senadores e deputados, incluídos caciques de tradicionais partidos, vêm caindo nas malhas da Operação Lava-Jato e outras investigações policiais. Ex-governadores do Rio de Janeiro, estado considerado a caixa de ressonância do Brasil, encontram-se atrás das grades. Moreira Franco, o único em liberdade, mantém as barbas de molho. A qualquer hora pode voltar para a cadeia. Políticos de outras unidades da Federação contribuem para engrossar o caldo viscoso da corrupção.

Trata-se de processo de depuração doloroso mas necessário. Com a Lava-Jato em curso e a Procuradoria-Geral da República em pleno funcionamento, mais casos virão à tona. O quadro desencanta e preocupa. É tal a enxurrada de denúncias que há o risco de o brasileiro tomar a parte pelo todo — saltar da decepção com os políticos para a desqualificação da política. Os que não se identificam com o jogo afastam-se. Não só abdicam de disputar cargos mas também de participar de decisões que afetam a vida individual e social. Trata-se de gesto cuja consequência foi sintetizada por Platão: “O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus”. Na língua simples do povo: lavar as mãos é entregar o galinheiro à raposa.

Não só a galinha demoniza a política. A raposa também o faz. Esta por má-fé. Aquela por ignorância. A primeira, sem levar em conta o mal que faz a si mesma, vira as costas para o que se passa ao redor e se torna vítima da escolha dos outros. A segunda lança mão de manhas e artimanhas para dominar a situação e, com isso, excluir o povo do papel que lhe cabe: exercer pressão sobre os detentores de mandato. A autoexclusão transfere as decisões dos cidadãos para grupos que se apoderam da política com olhos não no bem comum, mas nos interesses próprios ou nos deste ou daquele segmento.

A eleição de 2018 deixou claro que o brasileiro queria mudança, deixar para trás “tudo o que está aí”. Votou em novatos — passo importante mas não suficiente. Política e democracia vão além da participação popular na escolha de representantes em períodos eleitorais. (Mais da metade dos eleitores esquecem o nome do candidato a quem entregou o direito de representá-lo no Legislativo.) A cidadania exige a atuação mediante mecanismos de fiscalização, de acompanhamento do poder público e engajamento em causas coletivas e sociais.

Há quatro meses, o Brasil tem novo governo, mas uma enxurrada de problemas. Endividamento interno, produção industrial em queda, retração do consumidor, multidão de 12 milhões de nem-nem (jovens que não estudam nem trabalham), 13 milhões de desempregados que, somados aos subaproveitados e aos desalentados, chegam aos 28 milhões de pessoas. Trata-se de desafio importante demais para ser deixado só nas mãos do governo. Impõe a participação do povo para mobilizar os representantes alçados ao poder pelo voto. A política tem de se aliar à economia. Ela está por trás das mãos que definem o preço do cafezinho, a segurança da aposentadoria, o direito à morte digna.

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