Em defesa do pensamento crítico

Carlos André Silva de Moura
Pós-doutor em História, docente da Universidade de Pernambuco

Publicado em: 03/05/2019 03:00 Atualizado em: 03/05/2019 08:13

Qual o interesse dos representantes do governo federal em diminuir os investimentos na área das humanidades? As declarações do ministro da Educação Abraham Weintraub, apoiadas pelo presidente Jair Bolsonaro, têm o objetivo direto de contribuir com o processo de desinformação dos jovens, esvaziar os debates sociais, políticos e culturais, além de afastar a população dos diálogos sobre as principais problemáticas nacionais. As palavras revelam o despreparo dos gestores públicos e a total falta de conhecimento sobre os projetos de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidos em várias instituições do país.

Não é a primeira vez na História do Brasil que disciplinas como Filosofia e Sociologia são colocadas em xeque. A prática também foi efetivada em períodos de governos autoritários, como durante o Estado Novo varguista (1937 – 1945) e a ditadura civil-militar (1964 – 1985), colaborando com o controle da formação das ideias, dos debates educacionais e a imposição de uma educação tecnicista.

Em pleno século XXI, classificado por muitos especialistas como a era do conhecimento, o governo Bolsonaro defende um retrocesso que coloca em risco a formação das identidades, a constituição das memórias coletivas, o reconhecimento da História e a formação de um pensamento crítico que colabora com a constituição dos cidadãos. O processo educacional não se resume a ler, escrever, fazer contas, ou o fortalecimento de profissões supostamente rentáveis para a economia.

O economista que hoje está à frente do Ministério da Educação coordena uma das principais pastas do governo, com um dos maiores orçamentos e impactos diretos na constituição do Estado. Abraham Weintraub é responsável por secretarias que precisam de uma funcionalidade efetiva para que não tenhamos prejuízos na formação das próximas gerações. Sendo assim, é preciso seriedade na liderança de um cargo estratégico para a funcionalidade de qualquer governo.

Como educadores ou cidadãos preocupados com o país precisamos repudiar radicalmente as infelizes declarações dos atuais governantes. Os representantes do poder executivo devem se preocupar com o fortalecimento da educação básica, o investimento em todas as áreas do ensino superior, a formação continuada dos professores e a valorização do ofício para a atração de novos profissionais. Em uma democracia que tem como princípio a liberdade de pensamento, tais ideias não estão de acordo com a grandeza dos cargos.

As declarações do dia 26 de abril fazem parte de um desastroso projeto de desconstrução dos avanços educacionais percebidos desde o início da década de 1990, com a publicação de leis e decretos que contribuíram para a organização de instrumentos importantes para a formação e consolidação das mais diversas áreas do conhecimento. O tempo presente não cabe discursos retrógrados, que têm o objetivo de limitar a liberdade, os debates sociais e condenar qualquer tipo de saber científico.

Entre uma infinidade de temáticas, as discussões desenvolvidas nas ciências humanas são fundamentais para a consolidação da ética, o reconhecimento da necessidade do contraditório, da responsabilidade social, dos valores culturais, para que não se afirme que o nazismo é de esquerda, que o feminismo não tem importância no mundo atual, para que jovens não celebrem a tortura ou torturadores, para que se compreenda a importância da coisa pública, para que possamos exigir os nossos direitos políticos, sociais e econômicos. As atividades desta área contribuem com a formação de cidadãos conscientes da sua história e profissionais que possam fazer a diferença nos espaços ocupam.  

Descentralizar os investimentos em ciências humanas também é desumanizar o atendimento dos profissionais da saúde, comprometer a responsabilidade social dos engenheiros, desvalorizar a ética do médico veterinário ou reduzir a capacidade de compreensão de mundo por parte dos economistas. As declarações vindas do poder executivo não atingem uma área específica do conhecimento, mas a formação de todos os profissionais e de gerações que precisam de uma constante conscientização social.  

Senhores presidente e ministro da Educação, por mais difícil que seja para a compreensão de vossas excelências, não é momento para retrocessos. Abandonem o palanque, a guerra fria acabou, por favor, exerçam o republicanismo, comecem a governar, apresentem projetos, ideias e contribuam com a consolidação de um ensino de qualidade no país. A educação básica possui mais de 56,5 milhões e a superior 8,3 milhões de matriculados que por direito devem receber um ensino de qualidade em todas as áreas do conhecimento, sem distinções geográficas ou de financiamento.

Educação não é mercadoria, não se resume a rentabilidade ou a cifras econômicas, mas envolve processos mais complexos que as postagens em redes sociais. Não podemos colocar o pensamento crítico de futuros profissionais em risco para favorecer grupos políticos com pensamentos limitados e provincianos. Não compartilhamos da ignorância daqueles que hoje ocupam o poder.

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