Editorial Medicina de ponta

Publicado em: 01/05/2019 03:00 Atualizado em: 01/05/2019 09:13

A capital do Brasil serviu de palco para um acontecimento animador. Há 11 meses nasceram gêmeas no Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib). As meninas vieram ao mundo acometidas de problema excepcional — sofriam de craniopatia, ou seja, eram unidas pela cabeça. Casos similares a esse ocorrem uma vez a cada 2,5 milhões de nascimentos. Apesar da raridade, porém, as bebês receberam tratamento de ponta. No sábado, equipe multidisciplinar do Hospital da Criança de Brasilia José de Alencar separou as garotas depois de 12 horas de cirurgia e quase um ano de acompanhamento e preparação.

Fato, sem dúvida, motivador. Se quem pode mais pode menos, o procedimento acende a esperança de que a exceção pode se tornar regra. É possível oferecer atendimento de qualidade aos que buscam a rede pública de saúde para atenuar a dor ou salvar a vida. Ilhas de excelência, como o serviço de vacinação ou o tratamento de queimados, têm condições de virar arquipélagos que, por sua vez, se transformam em continente.

A via-sacra de quem procura por assistência médica não se restringe ao Distrito Federal. Estende-se de norte a sul, de leste a oeste do país. Nas unidades do Sistema Único de Saúde, conjuga-se o verbo faltar. Faltam profissionais, faltam remédios, faltam leitos, faltam UTIs, faltam equipamentos. Em consequência, sobram filas, sobram pacientes, sobram maus-tratos, sobram desperdícios. Sobretudo vidas se vão pelo ralo.

Pesquisas informam que só 30% dos brasileiros contam com plano de saúde particular. Mesmo eles recorrem ao SUS para procedimentos mais complexos, não cobertos pelo seguro privado. Portanto, mais de 70% da população depende da assistência do Estado, garantida pela Constituição. Mas ela é falha, não raro por carência de planejamento, de continuidade e de profissionalismo dos gestores.

Sem formação para responder tecnicamente às demandas de setor tão sofisticado, aprendizes de feiticeiros são incapazes de trancar a porta mesmo depois de arrombada. Daí as cenas dramáticas estampadas nos jornais e divulgadas pela tevê de parturientes dando à luz em salas de espera ou de longas filas em que se veem a dor e o desespero em cada face adulta ou infantil.

A separação das gêmeas siamesas prova que é possível oferecer serviço digno e de qualidade à população. Não só em procedimentos de alta complexidade mas também nos mais simples. Com o feito, mostra que ficou para trás a frase de Magalhães Pinto segundo a qual “os melhores médicos são os drs. Vasp, Transbrasil e Varig”. Vindo de Brasília, o exemplo tem significado mais amplo. Pode inspirar. A capital exibiu um salto de qualidade na sua ciência. Se pôde tanto, pode muito mais. Pode democratizar o acesso e os bons resultados.

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