Editorial Brasil: refém do asfalto

Publicado em: 16/04/2019 03:00 Atualizado em: 16/04/2019 08:22

A greve dos caminhoneiros em maio do ano passado deixou recado claro: o país é refém do modal rodoviário. Sobre quatro rodas se transportam 65% da riqueza nacional. Se os motoristas cruzam os braços, o Brasil para. O governo Michel Temer pagou para ver. Viu. A paralisação pôs o pé no freio do crescimento econômico e fez o Produto Interno Bruto desabar, a ponto de encerrar 2018 com avanço de minguado 1,1%, nada para um país com tantas demandas sociais.

A reprise da história estava sendo ensaiada desde março — ameaça detectada pela Abin. Alertado, o Planalto cedeu a pressões do setor. O reajuste do diesel, que era diário, passou a ter prazo não inferior a 15 dias. A Petrobras e a BR Distribuidora criaram o cartão caminhoneiro, para atenuar o impacto da majoração por algum tempo. O governo propôs o aumento de 20 para 40 pontos no limite de infrações permitidas na CNH e estuda mudanças no valor do frete.

Foi além. Na quinta-feira, o site da petroleira publicou o acréscimo de 5,7% no preço do diesel. Bolsonaro (sem ouvir o ministro da Economia) — aconselhado por assessores de que a intervenção na empresa seria menos prejudicial que uma greve dos caminhoneiros — ligou para Roberto Castelo Branco, presidente da estatal, e pediu que o aumento fosse temporariamente suspenso. A medida acarretou perda de R$ 32 bilhões à Petrobras, trouxe incertezas ao mercado e instalou clima de imprevisibilidade no setor.

Análise fria do imbróglio deixa uma certeza: ainda que a equipe encabeçada por Paulo Guedes encontre uma saída para a crise, a resposta será temporária. O Brasil paga a fatura de opções erradas feitas no passado, que tornaram o país refém do modal rodoviário. À medida que a industrialização nacional avançava, o asfalto foi ganhando a preferência tanto no transporte de passageiros quanto no de cargas.

Juscelino Kubitschek, na segunda metade do século passado, acelerou o processo. Deu enorme impulso à indústria automobilística e deixou em segundo, terceiro ou quarto plano a cabotagem e as ferrovias. Os militares, que assumiram o poder em 1964, também contribuíram para reduzir a malha de trens. Resultado: subverteu-se a lógica. Caminhões — que deveriam responder por distâncias de até 400 quilômetros, deixando para o trem trechos mais longos — imperam sem concorrência nos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional.

Conhecido o diagnóstico, impõe-se solução duradoura — libertar-se da ditadura do asfalto. Mas ninguém é ingênuo de imaginar que a resposta resultará de uma canetada. Há que investir nos demais modais para que se deem opções ao transporte de cargas e de passageiros. Enquanto isso, uma condição se impõe: é inadiável encontrar saída que mantenha a previsibilidade do setor e a saúde da Petrobras. Empresa, distribuidoras e estados devem firmar um pacto em que cada um ceda no que puder. A planilha de preços dá margem a negociações. Vamos a elas.

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