Os bots estão entre nós

Bruno Gueiros
Especialista em mídias sociais e ciência política. É mestre em Indústrias Criativas (Unicap) e doutorando em Ciências da Comunicação (UBI-Portugal).

Publicado em: 28/02/2019 03:00 Atualizado em: 28/02/2019 08:22

A comunicação dos nossos dias tem lançado mão de ferramentas de propaganda política e manipulação que se baseiam nas redes tecnológicas. A “fabricação do consenso” – termo cunhado pelo linguista Noam Chomsky – persiste como meio de manutenção do poder, agora no ciberespaço. Os movimentos sociais têm sido conectados não mais pela força das organizações institucionais (partidos políticos, sindicatos, imprensa, igrejas etc.), mas sobretudo pelo fluxo da web. Pontos de afinidade unem comunidades virtuais impossíveis sem a internet. Nesse cenário, as mídias sociais se tornaram a grande arena para o debate público.

O sociólogo espanhol Manuel Castells observa que na atualidade talvez nada tenha se tornado tão real quanto as redes sociais digitais. Além de pessoas, empresas, marcas, entidades do Estado, da sociedade civil e do mercado estão nessa teia, ouvindo, falando e disputando domínio. Sites, ferramentas de busca e redes sociais online estão constantemente coletando dados que se cruzam e podem personalizar cada vez mais o conteúdo exibido na internet, desde opções pessoais sobre produtos, bens e hábitos de consumo, até convicções religiosas e preferências políticas. Eli Pariser, ativista estadunidense, explica que como as pessoas passam a ser frequentemente impactadas pelo que concordam e pelo reforço a crenças individuais, elas são incluídas em bolhas que limitam sua percepção e visão de mundo, gerando intolerâncias e extremismos.

No mundo tecnológico, os algoritmos foram elevados ao status de deus, porque podem traduzir a partir de poucos cliques a “alma” de um indivíduo. Isso é precioso para governos, partidos políticos e empresas, porque podem “conhecer” as pessoas e, através de previsões algorítmicas, entregar sob medida o que desejam. O filósofo coreano Byung-Chul Han destaca que para os usuários, a onipresença das telas e ampliação das redes traz consequências como a sobrecarga de escolhas, a alienação noticiosa e a confusão de sentidos, ingredientes significativos para o surgimento dos social bots (programas automatizados que assumem contas em redes sociais digitais). Eles são criados em diversos formatos e fins: como assistentes de vendas em chats, como central de atendimento a clientes, mas também como agentes de manipulação do debate público, que espalham notícias falsas e têm o objetivo de alterar a agenda política e o resultado de eleições. Os social bots maliciosos pretendem se confundir com perfis humanos e para isso podem utilizar inteligência artificial e aprendizagem de máquina, o que tem tornado o trabalho de detecção cada vez mais difícil.

O interesse dos pesquisadores sobre bots que atuam em redes sociais digitais tem crescido. Em cinco anos, já são mais de 150 artigos científicos que abordam o assunto em áreas diversas do conhecimento. Computação, comunicação, ciência política e ciências sociais são os campos que mais publicaram sobre social bots. É interessante, no entanto, perceber que áreas como psicologia, biologia, direito e medicina também têm dedicado estudos para os robôs das mídias sociais.

Os social bots têm sido constantemente utilizados na tentativa de manipular a população sobre diversos temas, tornando a “fabricação do consenso” um fenômeno ainda mais complexo. Nesse contexto, vem o alerta: fazer as pessoas perceberem que os bots mal intencionados existem e estão no dia a dia das postagens que vemos no Facebook, Twitter, Instagram e Whatsapp é um primeiro passo. Estamos sob o risco de assistir a democracia ruir e a alfabetização midiática nunca foi tão importante.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.