O real e o virtual

Fernando Araújo
Advogado, professor, mestre e doutor em Direito. É membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas - APLJ.
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Publicado em: 27/12/2018 08:30 Atualizado em:

Sou de uma geração que se acostumou à leitura do jornal, da revista e do livro pegando no papel. Folheando suas páginas e sentindo o seu cheiro. Daí que, quando me falta qualquer um deles impresso, fico meio desgostoso. A consulta ao “impresso” virtual não é coisa que me dá muito prazer. Não sei se todos como eu que nasceram na segunda metade do século XX acha esse século XXI ainda mais conturbado. Cheio de contrastes. Mas há quem julgue que o problema é puramente geracional, pois cada geração seria conservadora e abomina ver superadas suas músicas, valores, política etc. Ou seja: “Cada geração se sente colocada em uma faixa peculiar do tempo histórico” (Nelson Saldanha). O século atual tem sido pródigo em combater antigas tradições e substituí-las imediatamente por outras. Às vezes quase num piscar de olhos ou sem que tenhamos tempo de respirar. Até os anos 1990  usávamos o papel carbono. Colocado entre duas folhas, imprimia na segunda, a mão ou à máquina, o que se escrevia na primeira. Ninguém duvidava de sua utilidade. Na faculdade, as provas eram impressas em impressoras a álcool. E a vida seguia muito bem. Tudo foi se esvaindo, desde o disco de vinil, depois o CD, toca disco, entre outros objetos do nosso cotidiano. Falar isso para alguém da chamada geração Z(os que nasceram a partir dos anos 2000) e agora atingiram a maioridade, é falar de museu. Esse mundo pra trás ela não conhece. Quando nasceu, o mundo já era digital, formado por uma tela luminosa e alguns teclados. Que mundo novo é esse? São celulares, computadores, iPads, smartv`s, redes de internet cabeadas e em modelo wi-fi. Nesse novo mundo, a tecnologia não é um mero componente da vida, mas a própria vida. Os modelos virtuais assumem a equivalência de mundo físico. É a era digital. Tecnologia da informação e comunicação, cujo potencial aumentou com o advento da internet. Abriu portas ao denominado mundo virtual. Trata-se, como afirmam os entendidos, de outra era, onde a informação por meio digital determina novos modelos de organizações sociais. A isso eles chamam de revolução digital. Sociedade de alta interatividade. Fenômeno que faz o mundo ficar pequeno. Nesse universo on line tudo se passa aqui e agora. Desaparece a noção de tempo e espaço. O espaço se desincorpora. O que passa a existir são seres de pura luz. Livres do espaço e do tempo. Surgem novos nomes nos dicionários: cibercultura, ciberespaço, cibercorpo. A filósofa Marilena Chauí adverte que o mundo virtual é um mundo paralelo ao mundo real. Para ela, a nossa preocupação deve ser não com o que esse mundo mostra, mas com o que ele não mostra. Daí sua indagação: “Quem tem a gestão desse novo tempo”? É nesse rastro que outros pensadores advertem que há uma diferença de sentido e de prática entre a técnica que predominou até o século XX e a suprema tecnologia deste século XXI. A técnica seria o aperfeiçoamento do que começou artesanal. Já a tecnologia seria o Leviatã da Modernidade. Leviatã que comanda, dirige e encomenda a pesquisa científica. E por isso estaria o cientista encarregado dentro de amplos programas cuja finalidade ele desconhece. Assim, a vontade de determinação que se cultiva na tecnologia foge do compromisso ético da sociedade. Seria vontade desnorteada e perigosa. Não chego à radicalidade de Ruy Castro (Folha de São Paulo de 07-11-2018) que disse nunca ter dirigido um automóvel, nunca ter usado um telefone celular, e mandar para o espaço com o dedão a imagem que alguém lhe mostra num smartphone. E completa: “Nada disso me faz falta...”. Eu, ao contrário, os uso, mas com muita desconfiança.

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