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Violência escolar: Normalização de discurso de ódio e descontrole de redes sociais impactam", diz especialista

Contextos de violência escolar e proteção de alunos voltaram a ser debatidos após o caso de Alícia Valentina, de 11 anos, que morreu após ser espancada por colegas dentro da escola onde estudava em Belém do São Francisco, no Sertão de Pernambuco

Por Nicolle Gomes

Apesar dos esforços médicos, Alícia Valentina teve morte cerebral confirmada pelo HR nesta segunda-feira (8)

O  caso da garota de 11 anos que morreu no domingo (7), após ser espancada dentro da escola municipal onde estudava, em Belém do São Francisco, no Sertão de Pernambuco, levantou o debate sobre a violência escolar.

O cenário é marcado por um aumento nos últimos anos, principalmente entre 2022 e 2023. Ao menos 47 pessoas morreram em decorrência desse tipo de violência desde 2001, segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O Diario conversou com a Professora Flávia Vivaldi, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem). A docente explicou que são inúmeros os fatores que contribuem para a crescente da violência escolar.

“Os fatores que impactam o aumento da violência escolar estão ligados à dinâmica de aumento da violência na sociedade como um todo. Se nós temos a normalização de discursos de ódio, polarização, o funcionamento descontrolado das redes sociais, tudo impacta. Como esse mundo virtual é muitas vezes uma terra de ninguém, então o reforçamento dessa violência que é vivenciada nesses espaços, pela intolerância, pelas desinformações, isso tudo gera impacto no aumento da violência escolar. As violências estruturais também impactam muito”, diz a professora.

O que é violência escolar?

Segundo Flávia, a violência escolar pode ser dividida em três perspectivas. Violência na escola, violência da escola e violência à (ou contra) escola.

“A violência na escola são os episódios mesmo de agressões físicas, bullying, e todo e qualquer tipo de violência, inclusive as estruturais, que trazem muitas vezes o reflexo das violências que ocorrem na sociedade. A violência da escola, mais simbólica, diz respeito a dinâmica estabelecida pela própria escola, mas que em andamento pode potencializar as violências na escola”, explica.

“Por último, tem a violência a escola ou contra a escola. São os episódios em que a violência invade e ataca a instituição ou as pessoas que representam essa instituição. Professores, estudantes, equipe gestora, como os ataques protagonizados por estudantes, ex-estudantes. Casos de tiroteios nas comunidades que obrigam muitas vezes a escola suspender, as aulas, tráficos, movimentos de tráficos no entorno da escola”, acrescenta.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), classifica a violência escolar como um conjunto de violência física, psicológica, violência sexual e o bullying, é praticada e vivenciada por estudantes, professores e outros funcionários da escola. Ainda de acordo com a Instituição, um bilhão de crianças no mundo todo experienciam algum tipo de violência escolar todos os anos.

Os casos de violência atendidos em serviços públicos e privados de saúde são de notificação obrigatória no Sistema de Informação de Agravo de Notificação - Sinan, do Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas em 2023, foram registradas 13.117 vítimas de violência interpessoal nas escolas em todo o Brasil. Entre 2013 e 2023, foi registrado o total de 60.985 vítimas de violência interpessoal nas escolas.

O Ministério da Educação (MEC) classifica quatro categorias principais de violência que afetam a comunidade escolar: Agressões extremas, com ataques premeditados e letais, violência interpessoal, com hostilidades e discriminação entre alunos e professores;
bullying, quando ocorrem intimidações físicas, verbais ou psicológicas repetitivas, e
episódios no entorno escolar.

Segundo Flávia, a subnotificação é um ponto-chave também para a manutenção da violência escolar.

“Quando não se identifica, dentre os problemas de convivência, aqueles que tem de fato natureza violenta, se trata tudo do mesmo jeito e às vezes o tratamento que se dá para esses problemas de convivência é inofensivo, se resolve pontualmente, momentaneamente uma situação, mas sem atuar nas causas, só nos sintomas. Fatores de subnotificação tão atrelados a isso, a não identificação dos diferentes problemas de convivência que podem existir numa escola”, relata.

Combate

Para a Professora Flávia, a principal forma de enfrentar a violência escolar é planejar a convivência.

“O enfrentamento da violência na escola se dá por um planejamento da convivência, enquanto a convivência for algo que é percebido pela escola somente quando tem problema, e não um uma dimensão que precisa ser planejada de forma intencional, de tal forma que a gente não fique só apagando incêndios, mas que a gente trabalhe numa maneira preventiva”, argumenta.


“Se não houver um trabalho intencional por parte das instituições sobre a convivência, fica pouco provável da gente conseguir enfrentar esses fenômenos de violência escolar. Porque muitas vezes a instituição não consegue nem identificar as violências que acontecem lá dentro, exatamente pelos processos de naturalização que ocorrem nas relações”, ela complementa.

 
Ação estadual

Questionada pelo Diario de Pernambuco, a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE-PE), informou que atua de forma “permanente e estruturada, através do projeto EntreLaços, na promoção de saúde mental e na intervenção, prevenção e enfrentamento das múltiplas manifestações de violência no ambiente escolar, incluindo o bullying”

No Estado, o trabalho de combate ao bullying nas escolas é orientado a partir de legislações específicas, como:

A Lei Estadual n.º 13.995/2009, que dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico das escolas;
A Lei Estadual nº 18.532/2024, que institui o Marco Legal de Enfrentamento à Violência nas Escolas e a Política Estadual de Enfrentamento à Violência nas Escolas;
Além das leis federais n.º 13.185/2015, de instituição de garantias de ações de combate ao bullying, e n.º 14.811/2024, de criminalização da prática.

Em nota, a Secretaria também informou que realiza a implementação do "Protocolo de Enfrentamento ao Bullying", desenvolvido pelo programa Escola que Protege, do Ministério da Educação (MEC).

Lei

O Diario procurou a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), e apurou que existem em tramitação dois projetos de lei que trabalham aspectos relacionados ao tema da violência escolar.

- PL 1972/2024: A fim de prever, nos estabelecimentos de ensino da rede pública estadual, a prioridade de transferência de matrícula aos alunos que sofreram bullying ou cyberbullying; estabelecer penalidades para os agressores; incluir o combate ao cyberbullying; e assegurar o acesso aos serviços públicos de assistência às vítimas e aos agressores.

- PL 426/2023: Dispõe sobre os meios de prevenção, conscientização e coibição da prática de cyberbullying nos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta do Estado de Pernambuco e dá outras providências.

Caso Alícia Valentina

O caso de Alícia Valentina chocou o Brasil. A garota foi agredida na quinta (4), por colegas de escola. Segundo relatos, ela levou um empurrão, caiu e bateu a cabeça, na Escola Municipal Tia Zita, em Belém de São Francisco, no Sertão de Pernambuco.

Em estado grave, ela teve que ser transferida para o Hospital da Restauração (HR), na área central do Recife, onde morreu no domingo (7).

Ainda segundo informações, o crime teria sido cometido depois que a garota se negou a ”ficar” com um colega, que queria ter um relacionamento com ela.

Por meio de nota, enviada ao Diario nesta quarta (10), o MPPE informou que tomou conhecimento do caso e foi informado pela Secretaria Municipal de Educação e Procuradoria do Município.

“Diante dos fatos, a Promotoria de Justiça de Belém de São Francisco instaurou Procedimento Administrativo para acompanhar o caso.

Para isso, expediu ofícios à Polícia Civil determinando a instauração de inquérito policial para apurar o caso, bem como ao CREAS e à prefeitura, solicitando informações sobre os fatos”, disse a nota do MPPE.

Ainda não foi informado se os responsáveis pela agressão foram identificados e o que vai acontecer com eles. Caso sejam menores de idade, os envolvidos poderão ser enquadrados como infratores e receber medida socioeducativa de até três anos.