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DIARIO 200 ANOS

O tipógrafo revolucionário que fundou um jornal

Há 200 anos, Antonino José de Miranda Falcão colocava o Diario de Pernambuco nas ruas do Recife e marcava a história do jornalismo nacional

Mareu Araújo e Nicolle Gomes

Publicado: 07/11/2025 às 00:34

Antonino Jose de Miranda Falcao, fundador do Diario de Pernambuco/Arquivo/DP

Antonino Jose de Miranda Falcao, fundador do Diario de Pernambuco (Arquivo/DP)

Antonino Jose de Miranda Falcao, fundador do Diario de Pernambuco - Arquivo/DP
Antonino Jose de Miranda Falcao, fundador do Diario de Pernambuco (crédito: Arquivo/DP)

Antonino José de Miranda Falcão, o responsável pela criação de uma simples folha de quatro páginas contendo 38 anúncios, publicada no dia 7 de novembro de 1825, denominada “Diario de Pernambuco”. Com 27 anos, Antonino iniciou uma história de 200 anos de dedicação e transformação social, que viria a ser a também a trajetória do jornal mais antigo em circulação na América Latina e Patrimônio Cultural Material do Brasil desde 2024.

Para o jornalista Francisco Augusto Pereira da Costa, no “Dicionário Biográfico de Pernambucanos Célebres”, publicado em 1882, Antonino Falcão ocupou “um lugar de honra na história do jornalismo e da imprensa do Brasil, não só pela sua iniciativa e empresas, como também pelos seus escritos, interesses e trabalhos em prol da firmeza e engrandecimento da sua causa”. Dois anos antes de fundar o Diario, Antonino foi nomeado professor da cadeira de primeiras letras do Trem Nacional, antigo Arsenal de Guerra do Recife. No ano seguinte, foi nomeado diretor da Tipografia Nacional. Ali participou da equipe do Typhis Pernambucano, um jornal político fundado e editado por Frei Caneca, veiculado na província entre dezembro de 1823 e agosto de 1824. Foi a partir das duras críticas ao governo de Dom Pedro I, veiculadas no folhetim, que eclodiu a Confederação do Equador.

SEMINÁRIO
A historiadora Lídia Santos explica que a relação de Antonino com Frei Caneca acontece pelo encontro de pensamentos: Antonino estudou para ser padre no Seminário de Olinda, tinha direcionamentos liberais. “Isso vem muito do contexto da educação do período. A Revolução dos Padres, a Confederação do Equador tem padres. Muita gente da elite estava ligada ao contexto de estudos religiosos. Nem todo mundo virou padre, mas os estudos e as propagandas liberais eram muito associadas a esse contexto e Antonino estava com essas pessoas”, contou.

O tipógrafo foi demitido quando o general Francisco de Lima e Silva restaurou o governo imperial em Pernambuco. Por conta de sua atuação na Confederação, Antonino foi preso e processado como rebelde e réu de alta traição. Conseguiu a liberdade depois de ficar quase um ano detido. Em 7 de novembro de 1825, o Diario nasce como a primeira folha diária do Recife e a primeira com fim específico de servir ao comércio, na casa de Antonino.

Para Lídia, a ideia de um ‘diário de anúncios’ surgiu por conta do clima de repressão que pairou sobre a província pernambucana após o fim da Confederação do Equador. Em janeiro, de acordo com a historiadora, houve o arcabuzamento de Frei Caneca, o enforcamento dos outros mártires da revolta e a suspensão de direitos constitucionais. “Quando a gente vê esse processo, faz muito sentido surgir um diário de anúncios. Pouco tempo depois da morte do frei, o medo era muito real. Esse silêncio se deve a esse medo. Saímos de um período de muita produção para um período de certo silêncio na imprensa”, afirma a Lídia.

Ainda assim, em 1827, menos de dois anos da fundação do jornal, o Diario começou a defender o direito à liberdade de imprensa. Em um dos textos, o editorial afirma que era obrigado a expressar opiniões que não acreditava, em uma crítica ao governo imperial. “Obriga-nos a professar uma opinião que nós não temos, ou a dissimular a que temos, é por certo uma agressão da parte de um governo, que não pode encontrar modelo, mesmo entre toda a série de iniquidades particulares de homem a homem”, diz trecho.

Ainda nesse ano, Antonino compartilhou em seu jornal que estava sendo perseguido. Em um dos relatos, datado em 23 de abril, ele detalhou que policiais à paisana o atacaram em um caminho próximo à sua residência. “Eu devia encontrar uma morte certa se tivesse saído à luz da noite, mas o cuidado de minha própria conservação me obrigou imperiosamente, apesar dos meus numerosos trabalhos, a me recolher à casa logo que desaparecia o dia”, escreveu o tipógrafo.

Foi só em 1829 que o Diario de Antonino Falcão voltou a ter características políticas semelhantes a antes da Confederação do Equador. De acordo com Lídia Santos, o debate, a opinião pública e as questões políticas voltaram a ser debatidas nos periódicos. Com isso, surgiu a República dos Afogados. “Antonino está diretamente envolvido nisso, ele foi processado por ser uma das pessoas propagadoras das ideias e foi preso novamente. O Diario e outros jornais, inclusive conservadores, que surgiram no período passaram a dar muita opinião. Nesse período, Pernambuco passa a ter uma polarização muito forte”, explica a historiadora.

Por conta da revolta, as garantias constitucionais na província pernambucana voltaram a ser suspensas, os jornais foram processados e Antonino Miranda foi preso na Fortaleza do Brum, onde permaneceu por 14 meses. Junto a ele, também ficaram presos José Tavares Gomes da Fonseca e Rodolfo Barata, sobrinho de Cypriano Barata, ambos personagens da Confederação do Equador.

Em apoio aos presos, no dia 20 de fevereiro de 1829, um texto anônimo, assinado por “Um Brasileiro”, sugeriu que a decisão do Desembargador Gustavo, ouvidor do crime, e que decretou a prisão de Antonino Falcão e outros, seria um ataque à Constituição.

"Como cidadão brasileiro, nascido e criado em Pernambuco, tenho, por simpatia e amizade, carinho por todo brasileiro honrado que se faz digno da minha ternura e gratidão. Por este princípio, fui visitar os cinco Cidadãos que estão presos na Fortaleza das Cinco Pontas e, apenas encarei o cárcere, que deu-se por prisão a 5 homens de bem, pacíficos e Cidadãos probos, fugiu-me das veias o sangue. Perdi, eu lhe afirmo, a fé constitucional que me abraçava e hoje posso lhe afirmar que duvido de tudo, até da minha própria existência. Quem diria que o Senhor Gustavo, Deputado em Cortes, sustentador dos Direitos dos povos e garante da sua liberdade, hoje constituído Ouvidor do Crime, há de ser o mesmo que revolta a Constituição, ataca seus Direitos, oprime Cidadãos pacíficos e se constitui verdugo da inocência?", questiona o leitor “Um Brasileiro”, em uma edição do Diario de 1829.

Antonino Miranda foi absolvido em agosto de 1829. Na capa do dia 3 daquele mês, o proprietário do Diario publicou seu relato do julgamento: “Recitei minha defesa, que por fortuna preenche a expectativa do auditório, e satisfez os Juízes: o Ilustríssimo Sr. Juiz de Direito com o seu reconhecido talento, perfeito Magistrado, relatou o processo; findo o que retiraram-se os Srs. Jurados para o julgamento. Está concluída, ao recitar-se publicamente a absolvição, os circunstantes, que enchiam a sala, prorrompeu em vivas à Constituição, a S.M. Imperador Constitucional, à Augusta Assembleia Legislativa, à Liberdade de Imprensa, aos bons Juizes de Facto e aos Acadêmicos do Curso Jurídico. Estes jovens, que tanta parte tomaram neste acto Constitucional, se fizeram neste dia conhecer nesta Cidade pelo seu entusiasmo patriotico e espírito lliberal. Quase todos se achavam presentes e mostraram quanto são dignos da estima Pública,e da cordialidade dos Constitucionais. Foi um dia notável para os fastos da Liberdade de Imprensa em Pernambuco”, descreve Antonino Falcão.

Antonino continuou à frente do Diario de Pernambuco por mais alguns anos antes de vender o jornal por problemas financeiros. “Ele vendeu o Diario em 1835, no período da Regência, um momento difícil no país. Neste ano, Pernambuco estava no final da Guerra dos Cabanos, que acabou com o interior e faltou alimentos. Nós tivemos crises nacionais que, obviamente, afetaram a província”, conta Amaral.

A transição garantiu a sobrevivência da publicação, já que Antonino precisou recorrer a diferentes tipografias para manter a periodicidade do jornal, já nos últimos anos de administração. Ele continuou na direção do Diario até 1837, quando viajou para a Europa. De acordo com Francisco Augusto Pereira da Costa, no “Dicionário Biográfico de Pernambucanos Célebres”, o tipógrafo "demorou-se algum tempo visitando diversos países, e regressando depois para o Brasil estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde montou uma tipografia que girou sob a firma de Miranda & Carneiro”.

Antonino atuou como secretário da província em Sergipe, na Gazeta Oficial, no Rio de Janeiro, foi diretor da Casa de Correção da Corte do Império, em 1849. De acordo com Pereira da Costa em seu Dicionário, o fundador do Diario foi cônsul-geral do Império nos Estados, oficial de gabinete do governo da província do Rio Grande do Sul e redator do Diário Oficial do Rio de Janeiro.

Aos 81 anos, faleceu na mais extrema penúria, em 9 de dezembro de 1878, no Rio de Janeiro. Pereira da Costa descreveu Antonino como um “homem probo e honrado, cidadão distinto pelos seus serviços e merecimento, inteligente e dotado de ilustração e conhecimentos variadíssimos, mártir pela ideia generosa da liberdade e independência pátrias, jornalista distinto e um dos seus patriarcas, Antonino Falcão viu-se mal apreciado, desprezado, e no fim da vida, quando era justo colher os frutos de tanta dedicação e serviços em prol do engrandecimento e lustre da pátria, depois de tantos esforços e sacrifícios, vê-se privado do único e parco recurso que o abrigava da fome e da miséria, e morre ralado de desgostos, no meio das maiores privações, na mais extrema penúria!”.

Nas páginas do Diario de Pernambuco de 13 de dezembro de 1878, o anúncio da morte de seu fundador se limitou a duas linhas e onze palavras: “Faleceu, às 9h aqui na Corte, Antonino José de Miranda Falcão”.

“E assim terminou os seus dias o patriota ilustre e distinto, o funcionário honrado e benemérito, o jornalista inteligente e laborioso, o Comendador Antonino José de Miranda Falcão. Sirva ao menos a inserção do seu nome nestas páginas, condenado talvez a um total esquecimento, de um protesto da posteridade aos erros dos contemporâneos”, acrescentou Pereira da Costa.

Ao contrário do que o autor afirmou no livro de 1882, Antonino José de Miranda Falcão não foi esquecido. Desde 21 de setembro de 1919, há mais de 100 anos, o nome dele é gravado em toda edição do Diario de Pernambuco. Seja na capa ou na contra-capa, seu legado permanece na história e completa hoje, 7 de novembro de 2025, 200 anos.

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