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200anos
ALGODÃO

Influência da indústria têxtil está marcada na história de Pernambuco

Em 1827, quando o Diario ainda engatinhava em seu segundo ano de existência, o jornal publicava uma das primeiras disputas da economia local: a da tarifa sobre o algodão, a matéria-prima essencial para a incipiente indústria têxtil de Pernambuco

Igor Fonseca

Publicado: 07/11/2025 às 00:00

Companhia de Tecidos Paulista. Fabrica Arthur Lundgren/ Joao Carlos Lacerda/Arquivo DP

Companhia de Tecidos Paulista. Fabrica Arthur Lundgren ( Joao Carlos Lacerda/Arquivo DP)

Entre os grandes eventos políticos e sociais narrados em 200 anos, o DP também documentou a construção da economia local, com participação fundamental da indústria têxtil, desde o famoso “ciclo do algodão” até a construção de fábricas em todo o estado.

Em 1827, quando o Diario ainda engatinhava em seu segundo ano de existência, o jornal publicava uma das primeiras disputas da economia local: a da tarifa sobre o algodão, a matéria-prima essencial para a incipiente indústria têxtil de Pernambuco.

O documento publicado na 39º edição do ano , do dia 19 de fevereiro de 1827, é um trecho de uma legislação tributária ou aduaneira que detalha as tarifas de importação do recém-criado Império do Brasil e ilustra a política econômica da época. Uma tabela detalha a diferença de impostos entre os produtos brasileiros e as tarifas cobradas dos concorrentes estrangeiros, demonstrando a margem de proteção ao algodão local.

Esta legislação se insere em um contexto onde o Brasil, recém-independente, definiria como proteger sua produção de matérias-primas como algodão, açúcar e café, da concorrência estrangeira — especialmente britânica, que tinha vantagens tarifárias em tratados antigos.

Essa influência do algodão, que precede a fundação deste jornal, também tem grande impacto na indústria têxtil em Pernambuco nos séculos subsequentes. O engenheiro agrônomo e pesquisador do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) Antônio Félix da Costa afirma que "não há dúvidas" sobre a relação da produção de algodão em Pernambuco com a criação de diversas indústrias têxteis no século 19 e 20 em todo o estado.

"Sem dúvida essa matéria-prima já estar aqui foi importante, pois tínhamos grandes indústrias em Pernambuco: a de Paulista, a da Macaxeira e a da Torre, só para contextualizar nossa história. Outras cidades, como Limoeiro e Surubim, também tinham operações importantes de beneficiamento [do algodão].", lembra Félix.

 

Lavanderia Mamute, em Toritama, localizada no agreste do estado - Teresa Maia/DP Arquivo
Lavanderia Mamute, em Toritama, localizada no agreste do estado (crédito: Teresa Maia/DP Arquivo)

GRANDES FÁBRICAS - RECIFE E RMR
O próximo passo para a continuação do crescimento da indústria têxtil em Pernambuco seria a inauguração da Fábrica da Torre, nomeada de 'Fábrica de Fiação e Tecidos', que, à época, era localizada no bairro da Madalena, no Recife, fundada na década de 1870. Através das linhas do DP, os leitores acompanharam desde o momento em que Antonio Valentim da Silva Barroca, um dos sócios da empresa, solicita à Assembleia Legislativa Provincial um 'privilégio' para fundar, no Recife ou arredores, uma fábrica de fiação e tecidos.

"A diretoria da Associação Comercial Beneficente, remetendo cópia do requerimento à assembleia legislativa provincial, dirijo o negociante desta praça João Valentim da Silva Barroca, solicitando um privilégio para fundar nesta cidade ou em seus arredores uma fábrica de fiação e tecidos de algodão, bem como do parecer, que a este respeito deu a comissão da mesma assembleia, a fim de que informe, com o seu parecer acerca de semelhante privilégio", escreve o Diario em 25 de maio de 1871.

Neste caso, a solicitação de "privilégio" pode ser considerada como uma concessão exclusiva ou incentivos. Quase passados dois anos, já em 27 de abril de 1873, foi concedida isenção de impostos de importação para todos os materiais necessários à construção e operação da fábrica de tecidos de algodão. Além disso, também foram abolidos impostos sobre máquinas e instrumentos agrários. A decisão permitiu, assim, que a Companhia de Fiação e Tecidos adquirisse equipamentos modernos - máquinas de fiação e tecelagem - originários da Europa, principalmente da Inglaterra, sem pagar altas tarifas.

"Saudamos este acontecimento pela influência benéfica com que há de concorrer, tentativa tão prometedora, sob o ponto de vista de animação ao trabalho industrial, para o desenvolvimento da vida econômica desta província", narra a edição de nº 122 do Diario de Pernambuco, publicada no sábado, dia 30 de maio de 1874, um dia antes da inauguração da fábrica.

Já em 1875, este jornal detalhou o aniversário de um ano da inauguração da fábrica. Desde o início, a fábrica operava com 50 teares e 2 mil fusos de fiação, que, juntos, marcaram a chegada da Revolução Industrial ao setor. Em relação à mão de obra, a fábrica, que começou com 60 operários, um ano depois, havia dobrado este número. Até hoje, quem navega pelo Bairro da Torre, na Zona Oeste da capital pernambucana, percebe o vestígio deixado pela fábrica, com uma grande torre. Toda a área da antiga fábrica, hoje, passa por processo de tombamento, após solicitação feita pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) em 2018.

CIPER
E então estava dado o próximo passo do desenvolvimento da indústria têxtil de Pernambuco. Na sequência veio a Companhia Industrial de Pernambuco (Ciper), em Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR), fundada em 1892 e inaugurada em 1895. A Ciper não apenas representou um marco para a indústria local e nacional, mas também a nível continental, uma vez que a fábrica foi a primeira vila operária da América Latina.

Uma vila operária era um conceito onde era construído um conjunto habitacional e urbano, a ser administrado pelo próprio dono da fábrica. Este modelo permitia ao empregador um controle total sobre a vida do trabalhador, dentro e fora da fábrica. Dentro deste âmbito, o patrão fornecia moradia, escola e assistência, mas exigia lealdade e submissão ao trabalhador.

Apesar de Pernambuco ser reconhecido economicamente pela cultura da cana de açúcar, as marcas deixadas pela indústria têxtil também na história do estado não são poucas. Para o economista, professor de Logística no Centro Universitário Tiradentes (UNIT-PE) e doutorando em Engenharia de Produção, Paulo Alencar, a indústria têxtil teve um valor agregado maior que a monocultura canavieira.

"A gente exportava um pouco de açúcar, mas ele estava semi-industrializado. Já o algodão, você precisa de máquinas de tecelagem. É por isso que os ingleses passaram os portugueses na Revolução Industrial. Tecido, naquele momento, é o fator de produção com maior eficiência, maior tecnologia, como são os computadores hoje em dia. Era uma produção muito mais sofisticada", explica. Ele também ressalta que, à época, fazer transformação de algodão para roupa não era um trabalho simples.

"Então, o desenvolvimento de uma indústria de uso de algodão e fabricação de tecido fez com que Pernambuco estivesse na vanguarda do desenvolvimento. Não é um trabalho simples você transformar algodão numa roupa, uma blusa, uma calça", pontua.

TACARUNA
Na divisa entre Recife e Olinda, as ruínas da antiga Fábrica Tacaruna ainda permanecem visíveis. A empresa, inaugurada em 1895 como a primeira fábrica de açúcar em tabletes do Brasil, foi transformada, em 1925, na Companhia Manufatora de Tecidos do Norte, após ser comprada pela Tecelagem Paraíba.

Desde 1994, a área foi tombada pelo Patrimônio Histórico Estadual pela Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco (Fundarpe) e pelo Conselho Estadual de Cultura. Apenas em outubro de 2024, o governo do estado de Pernambuco anunciou que o espaço será restaurado para abrigar o Centro de Formação dos Profissionais da Educação de Pernambuco (CEFORPE) e a Escola Técnica de Hotelaria e Gastronomia.

 

PAULISTA
As marcas deixadas pelo setor não se restringem apenas ao Recife. É o caso também de outras cidades da Região Metropolitana da capital, como Moreno e Paulista, onde as antigas chaminés de 85 metros que hoje compõem parte do Shopping Paulista North Way, foram da Companhia de Tecidos Paulista. A indústria, que pertenceu à família sueca Lundgren, virou referência na indústria têxtil já no início do século 20 e chegou a ter mais de 20 mil funcionários.

A história da fábrica também foi contada por este jornal, que, em 12 de julho de 1891, na 131º edição daquele ano, anunciou que a instalação da “Companhia de Tecidos Paulista” seria instalada no dia seguinte.

COTONIFÍCIO MORENO
Em outros pontos da RMR, marcos da indústria no estado também podem ser lembrados, como em Moreno, com a fábrica de tecidos Cotonifício Moreno, inicialmente chamada de 'Societé Cotonniére Belge-Bresiliense'.

Fundada em 1907 por um grupo de investidores da Bélgica, ela chegou a ter a construção da Vila Operária, mas fechou suas portas em 2001. O fechamento é um símbolo da crise e do declínio do modelo de grandes fábricas, que não conseguiram competir com a abertura econômica e a concorrência global.

As fábricas se foram, mas, além das estruturas, também ficaram os aprendizados deixados na produção e confecção de roupas. O legado, para Paulo Alencar, as grandes fábricas foram embriões do desenvolvimento do segmento têxtil no estado. "Naturalmente, o aprendizado vem com os grandes. Uma geração trabalhou nesse segmento têxtil. O pessoal chega, as grandes empresas formam, constroem, qualificam, e o aprendizado fica. Isso tem um efeito multiplicador de conhecimento técnico que fica no estado, e isso replica onde se precisar, seja no interior, no litoral", destaca.

Assim, o foco sai do Recife e das grandes fábricas da Região Metropolitana e passa para o Agreste, especialmente em Toritama, com micro e pequenas empresas familiares. "As grandes fábricas pernambucanas de têxteis, elas começaram a perder mercado para a competição chinesa. A indústria pernambucana perdeu muito espaço. A saída foi começar a investir fortemente nas micro e pequenas empresas familiares", detalha Paulo.

Mudança de foco para o Agreste
Desde a década de 1990, o foco teve um processo de mudança e passou a ser voltado para a produção de roupas em Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe. Em 7 de agosto de 1993, o Diario estampava a matéria: "Feira da Sulanca é a maior do mundo", detalhando a feira que acontecia em Caruaru. O relato é que 10 mil feirantes ocupavam um espaço de 25 hectares (equivalente a 250 mil metros quadrados) e contava com uma rotatividade de público semanal de 10 mil pessoas. "A Feira da Sulanca é o maior complexo de economia informal do mundo [...] o polo chega a movimentar dois milhões de dólares por semana", diz um trecho da matéria.

A potência do cenário econômico histórico foi assunto em várias páginas do jornal durante os anos. Em 1993, na matéria 'Berço da Sulanca abastece todo o país', este jornal destacava que a Sulanca de Santa Cruz do Capibaribe movimentava 50 milhões de dólares por mês, gerando 100 mil empregos diretos.

Com o tempo, os números foram crescendo. Em 2007, eram 150 mil empregos gerados pela indústria da moda. Um raio-x feito pelo Diario em outubro de 2011 afirmava que eram 22 mil empreendimentos, 150 mil empregos diretos, com 1 bilhão de peças produzidas por ano e um faturamento anual de R$ 3,3 bilhões.

Desde 1995, entretanto, já se estampava nas páginas do Diario como os importados de fora do país prejudicavam a feira da sulanca com redução das alíquotas de importação em novembro de 1994.
O termo Sulanca, entretanto, é visto de forma pejorativa, visto que pode ser sinônimo de roupa barata e de pouca qualidade, algo que o polo tentou se distanciar por um tempo. Já em 2007, o Diario estampava "Moda de qualidade no Pólo de Confecções", detalhando que o Agreste pernambucano poderia "sim, fazer moda de alta qualidade para o mercado brasileiro e internacional".

O cenário em 2025 não é mais esse. Hoje, a modernidade exige que lojas e empresas de confecções do Agreste se atualizem, passando a vender não somente em pontos físicos, mas também online. O presidente da Associação Comercial e Industrial de Toritama (ACIT), Luan Santos Luvit, destaca a importância do empreendedor investir nas mídias digitais.

"O polo de confecções se molda a cada ano, a cada mês, a cada semana. Antigamente, o cliente era mais presencial, mas, hoje, requer um pouco mais de cuidado, um catálogo bem preparado, investir em fotos, em mídias, no Instagram. Se faz necessário você estar em todas as frentes até chegar com a mercadoria ao seu cliente", afirma.

O ponto trazido por Luan é corroborado por Paulo Alencar, que acrescenta a necessidade de ver com bons olhos a proximidade dos centros de distribuição no Litoral, de lojas como Americanas, Amazon, Mercado Livre e outros.

"O comércio eletrônico tem impulsionado essas micro e pequenas empresas a continuar produzindo e vendendo para mercados mais distantes e esse é outro fator positivo. É algo em torno de 7 bilhões de reais por ano movimentados em um mercado basicamente voltado a jeans e moda popular", detalha. “Hoje, essa região é a mais forte no Nordeste. Pessoas do Brasil inteiro vêm comprar roupas para revender”, completa.

Existe o senso comum de que muitas lojas de fora da área praticam o 'private label' que consiste na peça ser produzida com os materiais de Toritama, pelas fábricas de lá, mas, no fim, recebem uma etiqueta diferente. Desmistificando a teoria de que as roupas são de má qualidade.

"Hoje o 'private label' é uma modalidade que cresceu muito, que é produzir com a marca dos clientes, produzir para outras marcas. Gira a economia local, não somente com a confecção. Gira na rede hoteleira, que cresceu em Toritama. Gira em restaurantes que crescem", afirma o presidente da ACIT. Com todas essas possibilidades, hoje estima-se que a região abriga cerca de 25 mil empresas, gerando 250 mil empregos diretos e indiretos. Por isso, o economista classifica o Polo de Confecções como a "joia do Agreste Pernambucano"

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