O STF e a (des)conexão entre crimes comuns e crimes eleitorais

Paulino Fernandes de Lima
Defensor público do estado de Pernambuco e professor de Direito Penal e de Direito Constitucional

Publicado em: 23/03/2019 03:00 Atualizado em: 25/03/2019 09:41

O Supremo Tribunal Federal, por seis votos a cinco, proferiu recente decisão, em caso concreto (portanto, não produzindo, automaticamente, efeito erga omnes, isto é, para todos), no sentido de que os delitos praticados por deputado federal e prefeito, quando em campanha eleitoral guardariam conexão com o exercício de seus mandatos.

O polêmico entendimento rendeu, fatalmente, controvérsias no meio jurídico, principalmente porque se reveste de inusitada ilação. A confusão jurídica se dera, basicamente, pelo subjetivismo adotado pelos ministros em relação aos conceitos das categorias de crimes (comuns e eleitorais), e os fenômenos jurídicos conhecidos por “foro por prerrogativa de função”, ou “foro privilegiado” e “conexão”.

Buscando aqui usar, simultaneamente, a concisão e a clareza que o espaço do artigo jornalístico requer, segue-se uma apertada explicação.

A competência para processar e julgar os delitos vem definida, em regra, na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Da inteligência dessas duas normas extrai-se, sem conflito, que compete à Justiça Comum o processo e o julgamento dos crimes praticados contra a Administração Pública, como o de corrupção e os demais tipos penais congêneres, excluídas as competências das justiças especializadas, de que é exemplo a eleitoral. O próprio Código de Processo Penal prevê também as hipóteses de reunião ou separação de processos, quando houver conexão entre eles, todavia a eclosão da conexão se dá quando houver liame de provas ou dos sujeitos envolvidos no crime, nunca a critério meramente subjetivo, nem de autoridade investigadora (delegado de Polícia e Ministério Público), nem de autoridade judiciária (juízes, desembargadores e ministros).

Constatada, juridicamente, a ocorrência de conexão entre crimes de apreciação da Justiça federal comum e da Justiça eleitoral, o princípio da especialidade, de forma peremptória, ordena, sem titubeios, que a competência para processo e julgamento seja da justiça especial, nesse caso, a “eleitoral”. É digno de nota realçar que a Justiça Federal - compreendida pelas varas federais; seções judiciárias e tribunais regionais federais-, é considerada, “lato sensu”, justiça comum, diferente da eleitoral, que é especial, dado que o critério para diferenciá-las é a matéria sob apreço, bem jurídico tutelado.

Em relação à “prerrogativa de função” (por vezes mal denominada de “foro privilegiado”), que foi outro ponto debatido no julgamento do STF, a Constituição Federal prescreve que a competência originária é do STF, mas só eclode a partir da diplomação no cargo eletivo. Os crimes cometidos, portanto, anteriormente, a exemplo dos delitos eleitorais, submeter-se-ão a processo e julgamento da Justiça Eleitoral. O “nó cego” dado no julgamento do caso ocorreu com o entendimento, majoritário, de que os crimes cometidos quando em campanha, pelo deputado guardariam conexão com seu “status” no exercício do mandato.

Não há como discordar, nesse ponto, com o melhor entendimento da processualística penal contemporânea, representada, por exemplo, por Aury Lopes Jr., quando chama a atenção para a seriedade do princípio da indeclinabilidade da Jurisdição, ao concluir que “o juiz natural não pode declinar ou delegar a outro o exercício da sua jurisdição, até porque existe uma exclusividade desse poder, de modo a excluir a de todos os demais” e arremata “tal princípio não dá a noção da problemática que pode surgir se o levarmos a sério, algo que não tem sido feito no sistema brasileiro.” (LOPES JR., Aury, Direito processual penal, 2012, p. 450)

Aí sobrou para a Justiça eleitoral, que é privada não somente de estrutura funcional para investigação de delitos assim complexos, mas desnutrida de procedimentos e elementos de funcionalidade próprios, dotados de robustez investigatória e de instrução processual necessária, encontrável na justiça comum, deixando soçobrar todo um trabalho de inteligência investigativa pretérito.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.