Um novo país

Duciran Van Marsen Farena
Procurador regional da República

Publicado em: 09/11/2018 03:00 Atualizado em:

Popularizou-se, no passado, a ideia de Belíndia – o Brasil como a mistura de Bélgica e Índia, a ilustrar o imenso fosso econômico existente em sua população. Isso não mudou – somos ainda um dos países mais desiguais do mundo, mas algo de novo apareceu. No plano político, assistimos ao nascimento de um novo país – GUATURQUIA. Vejamos: GUATEMALA. Em 2016, a classe política da Guatemala foi sacudida por um escândalo político de imensas proporções. O presidente renunciou, e a vice presidente foi presa, graças ao trabalho de uma “Lava-Jato” local, a Comissão Internacional de Combate à Impunidade, com mandato da ONU. Foi então eleito um Tiririca local, o comediante Jimmy Morales, com o discurso “nem corrupto, nem ladrão”. Tudo ia às mil maravilhas, até que as investigações chegaram à família do presidente, alçada a importantes cargos no país. Mas alguém que chegou ao poder imantado pelo discurso da moralidade jamais poderia ser corrupto. O mandato da comissão foi extinto, seu presidente, cidadão colombiano, declarado persona non grata no país, enquanto leis de imunidade e contra as investigações foram rapidamente aprovadas. A piada, para os guatemaltecos, perdeu a graça. TURQUIA. Em 2000, a Turquia era uma democracia parlamentarista imperfeita, que aspirava aderir à União Européia, quando escândalos varreram o sistema político local. Surgiu um outsider – Recep Tayyip Erdogan. Erdogan desprezava gays e minorias, nunca fora um democrata ou liberal, já tendo sido inclusive condenado por incitação ao ódio religioso, mas a população queria mudança a qualquer custo, e acreditou que as instituições freariam eventuais excessos do escolhido. O partido de Erdogan esmagou os partidos tradicionais nas eleições. Erdogan aproximou-se de Fethullah Güllen, um Edir Macedo islâmico, e leis começaram a mudar. Ele não tinha o apoio integral nem do Exército, nem das instituições civis, mas uma providencial tentativa de golpe (há controvérsias) ajudou a facilitar tudo, permitindo expurgos e prisões em ambos. Repressão e censura à imprensa se tornaram comuns. Um plebiscito, repudiado pela União Européia, mudou o sistema de parlamentar para presidencialista, com amplos poderes ao mandatário. Hoje Erdogan é como Putin, praticamente vitalício, e a Turquia, uma ditadura mal disfarçada. Voltando à Guaturquia, a Guatemala, a meu ver, é questão de tempo: a nomeação de Moro, longe de ajudar, desmoraliza o combate à corrupção, e quando as investigações atingirem a família e o núcleo político (baixíssimo clero) próximo de Bolsonaro, o conflito será inevitável. Moro deixará o cargo, não irá para o STF e passará a integrar, ao lado do PT, a fragmentada oposição, sem viabilidade eleitoral. Quanto à parte turca, acredito que nenhum expurgo será necessário nas Forças Armadas… o resto veremos.

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