A carta anônima no processo

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 07/11/2018 03:00 Atualizado em: 07/11/2018 09:28

No centro de tudo, o recebimento de processo criminal com a defesa prévia formulada, acompanhada de um envelope, com um papel dentro. Como não fazia nenhuma alusão ao envelope, achei de abri-lo para tomar conhecimento do que ali se encontrava. Uma bomba! Uma carta anônima, acusando a esposa de algum conhecido estar a manter relações sexuais com o delegado de polícia, um sargento de cor escura, que o autor do texto ridicularizava, nominando a mulher e o marido traído. Bom, nada tinha a ver com o delito do feito aludido. Contudo, os fatos ficaram a me queimar a cabeça. Santa curiosidade, Batman!

Esperei o advogado aparecer no fórum, o que não demorou, preocupado, na busca de saber se o envelope estava no processo. Ficou aliviado ao recebê-lo de volta, agradecendo, sem perguntar se eu tinha lido, não adentrando no assunto, tudo bem, conversamos só miolo de pote.  

O assunto poderia ter morrido aí, não fosse, depois, a presença do sargento no fórum, uma tristeza imensa, inconsolável, coitado, desta vez para se despedir. Fora removido a pedido para outro município, intrigado com a expressão – a pedido -, a me explicar que não tinha pedido nada, ao que esclareci que, por certo, alguém o teria formulado, o cargo de delegado não era cercado de inamovibilidade, sendo de livre nomeação e exoneração pelo Governo do Estado. À época, os delegados, na espantosa maioria, eram nomeados entre oficiais da Polícia Militar.

Acho que o esposo, através de políticos locais (era um termo da comarca), afastava o delegado da cidade, dando um basta nos encontros dele com a sua mulher, que se verificava em Aracaju, ela com a desculpa de ir ao médico, a teor do texto da carta. Não optou pela separação, ficando com a esposa em casa, diferente de outro processo, também do mesmo termo, no qual se fazia referência a uma senhora casada, que, de tanto ser cantada (um dia, você cai), terminou cedendo, indo para a cama com o cantador, contando, depois, ao esposo, que, então, a levou de volta à casa do pai dela, devolvendo-a, com relatório completo. Afinal, melhor do que matar.  

Dos dois fatos me lembrei há poucos dias, trasladando-os para essas parcas linhas, na esperança de que os maridos aludidos e traídos nunca venham a lê-las. Que Deus me ouça!

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