Triste visionário. Triste mas não derrotado

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista
raimundocarrero@gmail.com

Publicado em: 08/10/2018 03:00 Atualizado em: 08/10/2018 08:53

Somente agora, dois meses depois do lançamento, leio a biografia de Lima Barreto, Triste Visionário, da magnífica e sempre renovada Lilia Moritz Scwarcz, publicado pela Companhia das Letras. Para definir o caráter do escritor, a autora reverte a expressão derrotista: “Triste é quem não se deixa vencer, é teimoso, não desiste.”

Talvez por não ter entendido assim é que estranhei muito a seguinte frase atribuída a Jesus Cristo, no Evangelho: ‘Eu hoje estou triste até a morte”, que pensei até como título do livro que tento escrever sobre o Divino. Afinal, Jesus foi marginalizado pelos homens e viveu assim mesmo:” à margem porque foi perseguido constantemente. Era proibido de pregar nas cidades porque se tornara perigoso, diziam.

O Livro de Lilia me abre, desta maneira, a possibilidade de estudar o assunto e de avançar a trilha desta tristeza, não derrotista mas revolucionária. Tão revolucionária que nos trouxe o Deus vivo, o Deus feito Homem, e que nós, pobres mortais, continuamos a perseguir e preferimos a Ruina, mesmo quando estamos no Paraiso.

Voltando ao livro, Lilia escreve um texto absolutamente criterioso, com pesquisa rigorosa, ilustrando o que diz com documentos da época, desde anúncios de jornais a fichas hospitalares, bilhetes, cartas, análises, que conferem ao livro uma seriedade incrível. E mais do que seriedade, um tom de verdade sem véus. Sem meias palavras, ou com meias verdades.

É verdade que já existe a biografia de Francisco de Assis Barbosa, mas esta agora vai muito além ao examinar também o contexto social em que Lima foi obrigado a viver. Um meio social retrógrado, conservador, que não admitia um afrodescendente – negro, pobre, homossexual - contestando a sociedade dos bem pensantes, chamando políticos de corruptos. Enfrentando os poderosos.

Por tudo isso, podemos constatar que a literatura brasileira do século XX tinha dois caminhos a seguir – Lima Barreto ou Machado de Assis – e preferiu o caminho de Machado – formal, conservador e branco, embora Machado fosse negro . Conformado, conformista. Aliado do poder e dos bem pensantes.

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