Um olhar de cirurgião no caso Bolsonaro

Cláudio Lacerda
Cirurgião e professor da UPE e da Uninassau

Publicado em: 13/09/2018 03:00 Atualizado em: 13/09/2018 09:12

Os médicos brasileiros são, em boa parte, profissionais que buscam formação sólida, se dedicam dia e noite aos seus pacientes públicos e privados e praticam medicina séria, baseada em evidências. Buscam constante atualização. Não fazem concessão em assuntos de ética e moral. Respeitam os seus pares. São tão apaixonados e comprometidos com o exercício da nobre arte hipocrática, que não se incomodam em trabalhar no anonimato dos serviços públicos dos grandes centros ou das pequenas cidades do interior. Não buscam e não se envaidecem com holofotes. Sua realização pessoal está em outro plano e é totalmente contemplada pela cura do paciente em si.

Por isso tenho tido, com frequência, o prazer de receber, discutir e compartilhar pacientes encaminhados por tais colegas e não perco a oportunidade de citá-los como exemplo, em salas de aula ou nos meus escritos.

Pois bem. Foram médicos com esse perfil que integraram a equipe que atendeu o candidato Jair Bolsonaro, provando que eles estão em muitos recantos deste país. O caso era grave, com hemorragia maciça por lesão vascular abdominal e várias perfurações viscerais. Todavia, tanto hospital quanto equipe fizeram um trabalho ágil e tecnicamente perfeito. Normalmente, em situações como essa, o prognóstico é decidido nas primeiras horas do atendimento, principalmente durante a cirurgia. Em outras palavras: se a operação é bem feita, complicações pós-operatórias são improváveis e, caso ocorram, serão contornáveis, no mesmo hospital, sem qualquer necessidade de estruturas sofisticadas como as do Albert Einstein, em São Paulo, que, convenhamos, não deve ter grande experiência no tratamento de facadas. Ademais, seriam evitados os transtornos da viagem, que poderiam até prejudicá-lo.

No caso Tancredo Neves, reza a lenda que havia 23 deputados na sala de cirurgia. Fotos maquiadas e forçadas foram tiradas e divulgadas precocemente. Muitos médicos opinando. Transferência aérea considerada por muitos como precipitada e desnecessária. Deu no que deu, embora a doença fosse de tratamento simples e em geral exitoso. Com casos assim, aprendi que, muitas vezes, na medicina, devemos manter a simplicidade e o respeito às nossas rotinas, já testadas e sedimentadas, jamais alterando-as quando lidamos com pessoas famosas.

Assim se portaram os colegas de Juiz de Fora, onde, diga-se de passagem, médicos e hospital serão remunerados pela irrisória tabela do SUS. Parabéns a eles. Pena que o candidato e seus familiares tenham perdido a oportunidade de prestigiá-los, confiando-lhes os cuidados pós-operatórios, permitindo-lhes os encômios da vitória e a alegria da alta hospitalar. Do ponto de vista político, perdeu o candidato a chance de dar um bom exemplo para o resto do País, valorizando o hospital público que lhe salvou a vida.

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