Sobre o assédio sexual I

Moacir Veloso
Advogado

Publicado em: 31/08/2018 03:00 Atualizado em:

Camila é uma bela mulata de 30 anos, corpo escultural e glúteos hipertônicos bem definidos. Mora com seus pais num dos bairros da periferia do Recife. Empregada doméstica, todos dias vê-se obrigada a pegar dois ônibus para chegar no local de trabalho às oito da manhã, onde fica até às quatro da tarde. Seus patrões são um casal de idosos. Logo ao amanhecer, entra no ônibus sempre lotado. Começa aí o seu infortúnio. Trabalhadores e trabalhadoras de todos os matizes, apinhados uns contra os outros, gente boa, gente ruim, humanos de toda espécie, que, aos milhares, todos os dias enfrentam essa cruel maratona para garantir o seu sustento. Atraente e voluptuosa, Camila não raras vezes é importunada pelos tarados sexuais de sempre, que infestam nosso país. Estão em todos os lugares. No trabalho, nas escolas e universidades e em significativa escala,  na família. Nos transportes coletivos, esses animais estão na sua praia, atormentando as mulheres, ora encostando por trás delas, ora bolinando-as, ora esfregando-lhes o pênis. Camila defende-se desses seres abjetos com cotoveladas e gritos: sai daqui, tarado safado! E por aí vai na sua luta para manter-se como ser produtivo oriundo de estratos inferiores da sociedade. Mas a saga de Camila para fazer jus ao seu salário não termina aí. Seus patrões gostam muito dela e consideram-na como um membro da família. O problema é que, vez por outra, aparece Fabiano, um jovem de 19 anos, o neto preferido do dr. Paulo e da dra. Sílvia, para passar o final de semana com os avós. Nessas ocasiões, quando eles saem para caminhar, o rebento entra em ação. Camila está lavando os pratos e Fabiano chega por trás bolinando-a. Mesmo repelido energicamente, ele não desiste. Seu caráter e seus hormônios não lhe dão trégua; ambiente remete às senzalas. Camila ameaça contar a seus patrões essas investidas criminosas. Ele recua, dá um tempo mas não desiste. Certa vez Camila descontrolou-se e chegou a empunhar uma faca. Ele com o pênis na mão e ela com a faca. Agora vêm os machistas de plantão e indagam cavilosamente: porque ela não pede demissão? Vejam só, a ofendida, além de ser vítima de uma conduta criminosa, ainda vai ter que perder o emprego (tem carteira assinada há 5 anos), despedindo-se sem maiores explicações: se não pediu até agora, é sinal de que está gostando. Acreditem; há quem pense assim. O exemplo de Camila, tolerante por necessidade e afeto aos patrões, é, por amostragem, apenas um episódio que retrata o que ocorre diuturnamente com milhões de mulheres de todas as etnias e profissões, pelo Brasil afora. A vulnerabilidade feminina vai do assédio até um dos mais graves crimes sexuais previstos no nosso Código Penal, o estupro seguido de morte.  Segundo as estatísticas, o estupro, em sua grande maioria, é parte integrante da denominada criminalidade latente, aquela que não chega ao conhecimento das autoridades competentes para processar e punir seus autores. Lamentavelmente, os estupradores que chegam a ser condenados, são beneficiados por uma legislação penal leniente. São condenados à penas de privativas da liberdade absolutamente fictícias. Digamos, o sujeito é condenado a doze anos de prisão, mas, valendo-se do instituto da progressão da pena, após cumprir dois quintos da reprimenda, entra no semiaberto, logo mais no aberto, restando livre muito antes dos tempo real que deveria ficar preso. Já o crime de  assédio sexual existente desde 200l, resta praticamente impune: Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001) Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. A propósito, o leitor conhece ou já ouviu falar de alguém condenado e preso pela prática do crime retrocitado?

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