Miró, ó Miró, o Recife a teus pés

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Publicado em: 27/08/2018 03:00 Atualizado em: 27/08/2018 09:23

Nestes tempos difíceis, e tão difíceis, de tanta mentira e enganação, a iniciativa da Secretaria de Cultura do município em homenagear o poeta Miró, humilde e, no entanto, grandioso, fantástico, no Festival Recifense de Literatura, reveste-se de força e encanto porque consagra, nele, uma geração de poetas e escritores que faz uma grande literatura na periferia. Já não digo marginal porque não gosto da palavra a colocar pessoas tão sensíveis ombro a ombro com bandidos, assaltantes e descuidistas.

São periféricos porque nasceram e se criaram na periferia, nos bairros mais distantes, naquilo que chamavam de subúrbio, ou seja, abaixo da urbe, abaixo da cidade, na lama e no caos. E Miró, além de ser grande sozinho, traz com ele uma geração de poetas tais como Samuca Santos, Malungo, França, Francinha, e Erickson Luna, todos afrodescendentes e pobres, bem pobres, a carregar nos ombros, o suor e a desdita daqueles que nascem para o trabalho e para a poesia.

Nesta homenagem vi um Recife ingrato e deselegante ajoelhado diante dos mais humildes e mais criativos, mas vencendo a desgraça com a poesia, a ficção, com a literatura, afinal. Miró é ele e todos nós, qualquer um de nós.

Não se esqueçam que ele escreve sobre as nossas dores mais quietas e mais alarmantes porque conhece a intimidade das nossas agonias e das nossas alegrias. Conhecer a obra deste poeta é tornar nossas vidas mais significativas, mais honradas e mais verdadeiras porque não podemos passar sem ela. E, se passamos, não conheces nem a força nem a beleza.

Talvez o Recife não tenha se dado conta da importância desta homenagem. É possível, porque tudo é possível. Mas a cidade despertará para sua beleza. E dia virá em que todos nós precisaremos de um poema de Miró para viver em paz.

E, para começar, vamos comprar o livro Miró até agora, publicado pela Cepe, que assume a vanguarda da literatura pernambucana, com suas edições magníficas, com o empenho da sua equipe, à frente Ricardo Leitão, na presidência, e Wellington Melo, na editoria.

Este trabalho representa quase uma guerrilha literária, no momento cruel em que país pede socorro à sua inteligência e Miró responde do alto da sua humildade: presente.

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