A grande dama da Faculdade de Direito do Recife

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicado em: 21/08/2018 03:00 Atualizado em: 21/08/2018 09:00

Escrevo esse artigo a pretexto de fazer uma reflexão para responder a uma entrevista que me fez uma aluna de iniciação científica da Faculdade de Direito do Recife. A aluna pesquisa a obra de filosofia penal da professora Bernadette Pedrosa, sob a ótica da violência psicológica contra a mulher em Pernambuco e a importância do protagonismo feminino no âmbito acadêmico e profissional.

Bernadette Pedrosa foi a primeira mulher a ser admitida como docente na Faculdade de Direito do Recife, em 1965. Foi também defensora pública e uma professora incomparável e inesquecível, para várias gerações de estudantes de graduação. Foi minha professora e posso assegurar que para a minha geração transmitiu um exemplo de competência, altivez, seriedade, compromisso e dignidade. É indiscutivelmente a grande dama da Faculdade de Direito do Recife.

Na entrevista, a aluna me perguntou: 1. A senhora enfrentou obstáculos, por ser mulher, para se tornar a primeira diretora da FDR?; 2. A senhora já sofreu algum tipo de violência psicológica em ambiente de trabalho? Ou conhece algum ocorrido que possa relatar sem identificação dos envolvidos na relação?

Eu fui diretora da Faculdade de Direito do Recife por quase dez anos. Por um período mais curto, em que assumi a direção pro tempore e por dois mandatos consecutivos, em que fui eleita para dirigir a Faculdade entre abril/2007 e abril/2015. E tenho consciência de que realizei uma excelente gestão, reconhecida por tudo que deixei como legado de meu trabalho de liderança e do trabalho de todos que me ajudaram, em benefício da preservação e da memória da nossa Faculdade.

Eu considero graves os obstáculos e as violências psicológicas que enfrentei enquanto diretora da Faculdade de Direito do Recife, que eu podia então compreender pelo pioneirismo de uma mulher efetivamente assumir as rédeas da nossa Faculdade, mas sinceramente, o que me escandaliza, mais ainda, são os constrangimentos por que passei mesmo após ter sido diretora por dois mandatos, e mesmo depois do quanto me dediquei para o bem da nossa comunidade, o que apenas confirma que a violência psicológica contra a mulher é uma questão enraizada em nossa cultura.

E eu torno públicos esses constrangimentos recentes, porque esse assunto precisa deixar de ser velado e precisa estar nas rodas de conversa, para que possa ser melhor digerido pela nossa sociedade.

O primeiro episódio aconteceu em uma reunião de departamento. Um colega, professor doutor como eu, dirigiu-se a mim num diálogo que mantínhamos sobre ser de direita ou de esquerda, e disse: “Eu sempre fui de direita, mas se tivesse sido de esquerda quando estudante teria “comido” mais gente”. É claro que eu o repreendi e disse que não aceitava o uso daqueles termos, nem muito menos aceitava os termos daquele pensamento preconceituoso que a sua afirmação destilava. E até hoje eu me pergunto que obrigação eu tenho de escutar um comentário desses de um colega de trabalho, que certamente não usaria esses termos em casa, se conversasse com sua mulher. Na minha opinião, entretanto, esses termos deveriam ser reservados à alcova, em especial a matrimonial. Se os homens fossem menos garanhões em público e mais garanhões em suas alcovas, talvez os casais fossem mais felizes em nossa sociedade.

O outro episódio aconteceu em uma reunião do colegiado de pós-graduação, quando surgiu a oportunidade de eu desenvolver um trabalho de pesquisa em conjunto com um professor doutor, como eu. Um outro professor doutor, como nós, que estava na reunião não se fez de rogado e disse: “Ahh se a esposa dele souber disso! ...”  É claro que eu bati na mesa, me disse ofendida e exigi um pedido de desculpas porque a fala insinuava que eu estaria disponível para outras aproximações não profissionais, o que indiscutivelmente é uma violência inaceitável contra mim, em meu ambiente de trabalho.

Eu acho importante relatar esses episódios porque parte da violência que a mulher sofre advém da ideia equivocada de que a mulher só está disponível. A mulher só pode estar disponível ou não. Ela pode, inclusive, não estar disponível para você. E se ela estiver disponível para você; ela vai encontrar uma forma de mostrar a você isso. Portanto, não seja grosseiro e se quiser uma mulher, trate-a com respeito.

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