Pernambucanidade

Maurício Rands
Advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da OEA. As opiniões são pessoais
mrcbarros10@gmail.com - Twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 30/07/2018 09:00 Atualizado em:

Em recente missão da OEA ao Brasil, fiz-me acompanhar de uma colega venezuelana. Chegados em Brasília, fomos recebidos pelos ministros pernambucanos Raul Jungmann e Mendonça Filho. Depois, em Boa Vista, nossa missão começou por uma audiência na Superintendência da Polícia Federal. De onde era a superintendente? Depois, fomos ao Sebrae, onde fomos recebidos por diretora nascida em nosso estado. No quartel, o vice-comandante também tivera essa ventura. A mesma da delegada da Polícia Federal em Pacaraima, na fronteira. Voltando ao hotel, encontramos alguns servidores federais também nascidos na capitania de Duarte Coelho. Fomos ao consulado brasileiro na cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén. Decepcionado por lá não encontrar algum pernambucano, tive a satisfação de ver que o mapa do Brasil pendurado na parede, em verdade, só tinha a metade. Mostrei que o território de PE estava justo ao centro daquele mapa. O que detonou o comentário da colega venezuelana: ‘Estos pernambucanos me aparecen de todos lados; cuando no me surgen en persona, me aparecen en los mapas’.

Sempre que nos reunimos no estrangeiro com outros brasileiros ou com os gringos, a pernambucanidade não tarda a revelar nossa autoestima. Embora nem todos se comportem como aquele brasileiro que só revelou ser do melhor estado quando perguntado já no final da temporada na França convivendo com outros brasileiros: ‘Não disse antes porque minha mãe ensinou-me a nunca humilhar os semelhantes...’ Mas o fato é que nos orgulhamos das nossas peculiaridades. E dos feitos heroicos. Certa vez organizamos, o ex-governador Roberto Magalhães e eu, uma sessão especial na Câmara dos Deputados em homenagem aos 180 anos da 1ª faculdade de direito do país. Em meu discurso lembrei que o Iluminismo, a Maçonaria e o autoritarismo do Rio de Janeiro tinham nos levado às Revoluções de 1817, 1824, 1848 e outros movimentos libertários. Nosso querido ex-governador, com sabedoria, lembrou que o Império reagiu a esses movimentos com a supressão do nosso então vasto território. E sapecou o comentário de que hoje seríamos maiores se tivéssemos sido um pouquinho menos rebeldes.

Nosso Humberto Vieira de Melo lembra-nos que na terra dos altos coqueiros temos mais diversidade de ritmos musicais, de sabores, expressões e outras manifestações culturais. O que é explicado por Gilberto Freyre, claro que o maior sociólogo do país, como algo que decorre da maior diversidade das etnias e territórios africanos de onde vieram os escravos que aqui chegaram para serem moídos na produção de cana e açúcar.

Essa diversidade produziu um sem-número de expressões que só ouvimos por essas terras. Como uma estrangeira que está querendo aprender português vai lidar com o dicionário do pernambucanês,  o nosso aperfeiçoamento da língua de Camões? Às vezes tento explicar que aqui se pronuncia mais corretamente o T e o D, quando acompanhados da vogal I. Duvido que  alguém jamais tenha aceitado minha explicação. Nem que tenha acreditado que temos o nosso especialíssimo dicionário do pernambucanês. Onde aprendemos que o pernambucano não faz farra, fica ‘solto na bagaceira’; que não fica com raiva, fica ‘arretado’ ou com ‘a moléstia’, ou com a ‘bexiga lixa’; que não é disposto, mas sim ‘virado num móio de coentro’; que não vai embora, mas que ‘pega o beco’. Que o pernambucano, quando se empolga, fica com a ‘mulesta do cachorro doido’; que não bebe um drink, mas ‘toma uma’; que não é sortudo, é ‘cagado’; que não corre,  ‘dá uma carreira’; não malha os outros, ‘manga’; não conversa, ‘resenha’; não sai apressado, sai ‘desembestado’; não aperta, ‘arroxa’; não dá volta, ‘arrudeia’.

Melhor parar por aqui, para que o eventual leitor não-pernambucano,  ‘avexado’, ‘enrolado’ ou ‘cabuloso’, não fique ‘arretado’ e resolva ‘avoar o jornal no mato’. Ou desligar o ‘pitôco’ da telinha, ou fazer ‘zoada’ na redação. Ou, pior, quando estiver de ‘boresta’, não decida ‘mangar’ do autor, chamá-lo de ‘abestalhado’, ou ‘arengar’ com os editores. Ou fazer mais ‘resenha’, ou qualquer outro ‘pantim’ contra o jornal quando for ‘tomar uma no primeiro beco’.

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