Futebol e amizade

Luzilá G. Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 12/06/2018 03:00 Atualizado em: 12/06/2018 08:32

Brasil e Croácia, um amistoso. Meu filho explica os lances para a mãe que não entende absolutamente nada de futebol e, por que não  o confessar, não morre de amores por, sobretudo quando a euforia coletiva funciona como o ópio do povo (obrigada, Marx). Mas o locutor (parece que a palavra não é mais essa) explica o que é a Croácia, esses jogos têm pelo menos isso de bom, que o mundo se torna mais visível. Enfim. Croácia, simplifica  o homem, é um dos países resultantes da divisão do que era a antiga Iugoslavia. E a palavra traz à lembrança as irmãs Maria e Vesna, na Cidade Universitária de Paris onde a gente morava, nos anos sessenta (isso tudo?)  E conversando sobre nossos países, como Maria falava sobre sua preocupação maior, o que aconteceria quando Tito morresse e eu, inocente e ignorante, a consolava. Tanto tempo depois, Patrick Poivre D’Arvor no jornal das 20 horas na TF1 falava de guerras e lutas na Bosnia-Herzegovina, e a gente situava mal o espaço onde se davam esses fatos, lamentava os terriveis acontecimentos, as mortes, tantas, e lembrava que aquilo era no território da ex-Iugoslávia. Eu pensava em Maria e Vesna, que teria sido delas? E na quase destruição da mais linda cidade do mundo segundo meu amigo Jorge Coli, Dubrovnik (mais bonita que Paris, Luzilá). Depois havia a Macedônia, onde morava um amigo, o poeta Luan Starowa, que eu conhecera no Colégio Internacional de Tradutores, em Arles, onde estagiávamos. Entre um trabalho de tradução e outro, Luan contava como a família havia escapado um dia de serem todos fuzilados, quando a mãe, dona de casa zelosa, havia retirado (ou colocado) da parede da sala (estava empoeirado), o retrato de Stalin, relegado ao porão da casa. Quando, nos anos 90, se falou nos embates em Skopie eu sofri por Luan, por sua poesia, sua ficção alegórica, ou sempre falando por metáforas, como no conto O tempo das cabras. E um belo dia, a vida tem dessas coisas, toca o telefone. Luan estava em Paris, era embaixador da Macedônia, uma amiga comum queria nos reunir. Falou que encontrara Paul de Bruine, escritor holandês que estagiara em Arles, noivo da viúva do romancista Danilo Kys e que se tornara correspondente do jornal Le Monde na Bosnia.  A Paul, eu brincando atribuira a propriedade do Forte do Brum, sendo ele descendente remoto de uma tal de Madame de Bruine, contemporânea de Nassau. Enfim. O jogo Brasil X Croacia me serviu para isso: ressuscitar lembranças. Mas, ao mesmo tempo, fazer vir à memória a bela canção de Barbara, Gottingen, na qual recorda essa cidade alemã de sua infância, e tornar minhas e suas palavras: Fazei que nunca mais volte o tempo do sangue e do ódio porque há pessoas que eu amo em Gottingen. 

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