O Brasil pode sair dessa enrascada?

Maurício Rands
Advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da OEA. As opiniões são pessoais. (Twitter: @RandsMauricio).
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Publicado em: 11/06/2018 03:00 Atualizado em: 10/06/2018 21:35

Talvez. Se pensarmos em mudanças de atitudes. De todos. Que ninguém pode se gabar de nunca ter errado. Por palavras, atos e omissões. Mas sobretudo pela repetição de gestos. Mesmo aqueles aparentemente inofensivos. A piadinha racista, machista ou xenófoba. O pequeno suborno a um policial ou outro agente público. A sonegação fiscal. O voto em um mau político em troca de um pequeno favor. O desleixo no atendimento aos cidadãos, quando investido em funções públicas. A busca da vantagem de Gérson, nas mais diversas atividades. O pendor pelos atalhos, ainda que às vezes inconfessáveis. A mania de jogar a culpa sempre para os outros. Principalmente para os políticos, como se eles não fossem escolhidos por nós mesmos e viessem de Marte. O descaso com a própria formação e a dos filhos. A aversão ao estudo e à leitura. A falsa ideia de que o prazer só se encontra na festa, na farra e no barulho. O exibicionismo e a futilidade nas redes sociais. A autocomplacência que parece traço onipresente da personalidade do brasileiro. Que tal reconhecermos que temos essas culpas? A mudança não começa por um bom diagnóstico?

O senso comum, potencializado pelos marqueteiros nas campanhas eleitorais, diz que a comunicação eficiente é a que fala o que o povo quer ouvir. Nada mais fácil do que o apelo populista. A 'solidariedade' a todos os deserdados. Que deveria ser genuína. Mas que, no discurso dos marqueteiros, deve ser combinada com a explicação simplista: 'Estamos na miséria por culpa deles. Nós, os puros e bem-intencionados, contra eles, os sujos e malvados'. Essa lógica binária tem apelo comunicativo. Mas é de duvidável eficiência para enfrentar os problemas nacionais. Que tal ousar rompê-la? Tendo a política e o país chegado ao fundo do poço, que tal experimentar um outro debate nessas próximas eleições? Que tal confiar um pouco mais na inteligência dos eleitores? Que tal convidá-los para mergulhar nas causas estruturais e culturais dos nossos problemas? Que tal elevar o nível do debate?

A mesma simplificação demagógica também aprisionou o país e atrasou as reformas. Como lembrava Eduardo Campos na campanha de 2014, o Brasil vivera três ciclos positivos: o da redemocratização liderado pelo MDB; o da estabilização econômica, pelo PSDB; e o da inclusão social, pelo PT. Quem se lembra do que diziam os opositores em cada um dos ciclos? Combatiam medidas que eram necessárias para atingir cada um desses três objetivos nacionais. Quando criticados por se oporem a medidas tão justas, botavam defeitos nos seus autores. Como a dizer que, se as aprovassem, estariam facilitando a vida dos adversários políticos. E, portanto, os ajudariam a se manter no poder. A confissão implícita: priorizavam a ocupação do poder em detrimento do mérito das soluções. Não lhes importava se as políticas em debate eram boas. Havia que combatê-las, ou então seus adversários ficariam no poder. Para esses que assim pensam, mais vale estar no poder do que ajudar (ou pelo menos não atrapalhar) as reformas requeridas em cada conjuntura.

P.S: Anthony Bourdain suicidou-se. Patrícia e eu, todas os domingos, curtíamos seu excelente programa na CNN. Ele viajava por lugares improváveis. Coisa que também tentamos fazer. A comida diz muito sobre como vivem as sociedades. A mesa, seja para comer ou para beber, reúne as pessoas. Pode se conhecer muito de gente, conhecendo como nos alimentamos e bebemos. Que tristeza ver Anthony se suicidando. Será que somos condenados à infelicidade? O que explica o suicídio de um cara tão genial, tão bem-sucedido, tendo tanto o que nos transmitir?

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