Visitei um colega no Cotel

Cláudio Lacerda
Cirurgião. Professor da UPE e da Uninassau

Publicado em: 18/04/2018 03:00 Atualizado em: 18/04/2018 08:44

Atendendo ao pedido da sua dedicada esposa Solange e de seus filhos Daniel e Marcus Vinícius, este último meu aluno de medicina na Uninassau, visitei, na condição de médico, Cláudio Amaro Gomes, no Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna – Cotel, em Abreu e Lima (PE).

Cláudio Amaro, 60 anos, cirurgião torácico e professor universitário, preso há quase quatro anos, estava com problemas de saúde, principalmente na minha especialidade - hepatologia. Ao final da consulta, conversamos por mais de duas horas.

Sem que eu pedisse, mas parecendo sincero e emocionado, contou a sua versão sobre o covarde e hediondo assassinato do jovem cirurgião Arthur Eugênio, seu ex-colega de especialidade, do qual está sendo acusado de mandante. Na sequência, asseverou que os criminosos fizeram tudo por iniciativa própria e à sua revelia. Que o caso já estava esclarecido e os autores identificados e presos, um deles morto pela polícia. Como um dos envolvidos é seu filho, percebi, naquele momento, em sua face, um sentimento que me pareceu de pai envergonhado e constrangido. Por isso, não foi mais além.

Em seguida, contou os motivos pelos quais, a seu ver, continua detido, o que, para ele, configura uma antecipação de pena. Alegando haver graves erros no seu processo, principalmente no inquérito policial, segundo ele evidenciados e denunciados pelos seus advogados, afirmou não haver uma prova sequer contra ele, e que, em última análise, estava sendo vítima de julgamento emocional e antecipado da opinião pública e da mídia, que, infelizmente, exercia, no seu dizer, pressão sobre os magistrados, que têm negado os seus pedidos para que possa, pelo menos, responder em liberdade.

Depois de falar do seu cotidiano na prisão, onde se tornou médico voluntário dos demais detentos, disse que tinha escrito um livro sobre essa história – a ser publicado em breve, e comentou sobre as humilhantes e desumanas experiências pelas quais tem passado. De todas as situações vivenciadas, todavia, para minha surpresa, a mais chocante não teria acontecido ali, no Cotel, mas no Tribunal de Justiça.

Cláudio Amaro contou, quase chorando, que, segundo seus familiares, numa sessão de julgamento de pedido de habeas corpus, durante todo o período em que o seu advogado argumentava pela desnecessidade de mantê-lo preso, os desembargadores falavam ao telefone celular, conversavam entre si e sorriam, aparentemente sem dar a menor atenção ao que estava sendo decidido, que era, em última análise, a liberdade de um ser humano. No final, negaram o pleito.

Será que essa versão, contada em detalhes pela esposa de Cláudio, é verdadeira mesmo? Felizmente, sabemos que tal atitude, daqueles magistrados, se de fato ocorreu, não é a regra numa categoria tão respeitada por todos.

A perda de um jovem e brilhante cirurgião, pai e esposo, foi uma tragédia imensurável e irreparável, que provocou justificada indignação e revolta de toda a sociedade. Evidentemente, o lugar dos culpados é na cadeia. Não importa quem. E por várias décadas. Por outro lado, assim como a imensa maioria dos que conhecem Cláudio Gomes e sua história de vida, tenho razões para acreditar na sua inocência.

Finalmente, como cidadão, ao constatar como a nossa Justiça funciona - e parece estar funcionado nesse caso, não posso deixar de expressar o meu receio de que ela esteja estendendo os efeitos de uma terrível tragédia, produzindo outra vítima.

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