Supremo exemplo

Maurício Rands
Advogado, PhD pela Universidade Oxford, Secretário de Acesso a Direitos da Organização dos Estados Americanos.

* As opiniões são pessoais e não representam as da OEA.

Publicado em: 26/03/2018 03:00 Atualizado em: 26/03/2018 09:20

Ainda repercutem as duas últimas sessões do STF. Mais uma vez os ministros adiaram o exame da liminar do ministro Fux sobre o auxílio-moradia. Com isso, permitiram que o teto remuneratório fixado pelo art. 37, inciso XI, da CF/88 continue sendo contornado. Na quarta-feira, o bate-boca entre os ministros Luís Barroso e Gilmar Mendes não produziu a consequência óbvia: apuração das suas condutas. Imagina o leitor o que aconteceria se um cidadão comum, ou um advogado na tribuna, dissesse que um ministro do STF era “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”? Não seria preso pela prática do crime de desacato (art. 331, CPP)? Não seria processado pelos crimes de injúria (art. 140, CP) e difamação (art. 139, CP)?  E se dissesse que um ministro do STF deveria “fechar seu escritório de advocacia”? Ou a acusação de Gilmar a Barroso é verdadeira ou falsa. Se verdadeira, estaria configurado o crime de advocacia administrativa (art. 331 do CP), entre outras infrações. Se falsa, o ministro
Gilmar teria cometido o crime de calúnia (art. 138, CP) porque teria falsamente atribuído ao colega a prática de um crime. Um bate-boca em tal elevado nível, que aliás tem se repetido naquela corte, poderia também dar ensejo à aplicação do art. 56 da LC 35/1979. Dito preceito faculta ao Conselho Nacional da Magistratura a aposentadoria, do magistrado: “I - manifestadamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo; ou Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções’. Nada disso aconteceu. Nenhum dos dois processou o outro. Ficou o dito pelo não dito. Nem suas condutas estão sendo analisadas pelo Conselho Nacional da Magistratura. Como já havia ocorrido em outros desatinos na mesma corte.

O mau exemplo da mais alta corte de justiça não parou por aí. A sessão que julgava o habeas corpus de Lula tinha  alta relevância para o futuro do país e de suas instituições. Estava sendo acompanhada ao vivo pelas televisões, rádios e redes sociais. De repente é suspensa sem conclusão sob a alegação de cansaço e compromissos privados. O ministro Marco Aurélio até hoje não esclareceu que compromisso mais importante ele tinha no Rio de Janeiro. Talvez um jantar de aniversário de um familiar. O país que espere. E pergunte o que ocorreria  se o argumento fosse de um trabalhador ou servidor público comum. O que ocorreria se ele resolvesse interromper o trabalho sempre que se sentisse cansado ou tivesse combinado um evento familiar? Quem de nós, em situações especiais, já não precisou trabalhar até altas horas? Não satisfeita, a corte resolveu estender por duas semanas o suspense sobre o HC de Lula. Sim, porque o feriado da Semana Santa dos exaustos ministros do STF é mais longo do que o dos mortais. Educativo e edificante exemplo.

Numa democracia, os cidadãos podem substituir os governantes e parlamentares que os desagradem. Basta esperar as próximas eleições ou utilizar o mecanismo constitucional do impeachment caso eles cometam crimes. Diante do espetáculo oferecido pelo STF na última semana, muitos se perguntam. Até quando teremos ministros vitalícios? Não seria mais razoável que eles também exercessem mandatos? Ainda que mais longos do que os dos dois outros poderes? Existem propostas de emendas constitucionais para introduzir os mandatos nos tribunais superiores. Uma das quais de minha autoria. Terá chegado a hora de discutir a ideia?

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