Telhados verdes

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 06/03/2018 03:00 Atualizado em:

Em várias partes do mundo, fala-se de telhados nos quais se cultivam vegetais, flores, legumes. Como se as pessoas estivessem despertando para resgatar, mesmo em pequena escala, a devastação que todos causamos ao planeta, e nossa necessidade de contato com a natureza. Há uns anos Martha Suplicy aconselhava aos moradores da selva de São Paulo, que plantassem flores e outros vegetais nas varandas. Dizia-se, se não me engano: um metro quadrado de verde purifica 10 metros cúbicos de ar. Pode ser. Mas o fato é que a preocupação do contato com a natureza persiste em existir, apesar dos humanos, e de vez em quando, ressurge nas sociedades. No século XVIII Rousseau aconselhava aos ricos o plantio de árvores, das quais os convivas de lautos banquetes pudessem retirar a sobremesa, com as próprias mãos. Essa preocupação com o verde me lembrou um livro quase desconhecido, de Arthur Orlando, aluno de Tobias Barreto. Leitor de Jules Michelet, cujo livro sobre a educação da mulher, Arthur Orlando emprestara à aluna – Maria Fragoso, depois sua esposa,- inspirara ao noivo apaixonado, a redação desse O meu Album, (1891), que mostra como fora influenciado por Michelet. Que criticara a vida artificial nas cidades, onde a rua era “uma mistura de cem coisas viciosas”, como a respiração de espíritos imundos, em mistura com a fumaça, emanações más e maus sonhos. Pedia aos maridos para abandonar as cidades, onde se desejam prazeres que agitam e enervam. E se não o pudessem fazer, que cultivassem um jardim, pois “o homem não cresce facilmente fora de suas harmonias vegetais”. Obrigado a viver na cidade, o homem deveria instalar a esposa nos andares mais altos dos prédios - Michelet critica o modelo urbano de construção burguesa, que, em Paris, abrigava os ricos nos andares baixos, e os pobres nos andares mais altos. Nos andares altos, escreve Michelet, existem a luz e a vista necessárias à jovem esposa grávida, nas horas em que espera o marido. E justifica: “Quando não se tem sob os olhos as montanhas, as altas sombras, as belas florestas, recebe-se dos grandes edifícios ( onde está a vida nacional, a história da Pátria em pedras ), emoções precoces cujos vestígios subsistem sempre.” Visões grandiosas que formam a criança, e instalam a poesia no coração das mães, poesias vivas e pilares da sociedade. Em seu livro, Arthur Orlando, apaixonado e preocupado com o processo de urbanização desenfreada que sofria o Recife, escreve: “Ali, Maria, naquele monte, coberto de verdor e pólen, junto àquela palmeira, em cuja cabeça vês brilhar todas as tardes a estula do pastor, havemos de construir nossa casinha cor de rosa, um prodígio de engenhosidade e de gosto (...) onde poderemos ver nos olhos um do outro o que se passa em nossas almas; um retiro furtivo e misterioso, onde não seremos visitados senão pelo sol, que todas as manhãs virá dar-nos bom dia; ali sim, Maria, é que, não tendo entre bens de fortuna senão o espaço, o ar, a luz, havemos de passar a vida, cheia de inocência e candura, até que um dia a morte venha buscar-nos para o seio da terra, transformando-nos em plantas, flores e perfumes, tornará a nossa morada uma escola de encanto para outros que se amarem como nós.”

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