'Dormir de Olhos Abertos' revela o Recife pelo olhar imigrante chinês
Produzido por Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux, com direção da alemã Nele Wohlatz, 'Dormir de Olhos Abertos' entra em cartaz
Publicado: 11/09/2025 às 06:00

(Foto: Victor Jucá)
As praias, as ruas e até o carnaval do Recife ganham um clima e uma conotação diferentes em Dormir de Olhos Abertos, que entra hoje nos cinemas da capital pernambucana. Produzido por Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux, com direção da alemã Nele Wohlatz, o longa teve seu lançamento mundial no Festival de Berlim 2024 e foi eleito pela Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci) o melhor da seleção Encontros do evento. Após passagens por diversos outros festivais, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o Festival do Rio, ele finalmente chega à cidade em que nasceu.
Na trama, Kai (Liao Kai Ro) vem de Taiwan para o Brasil para passar férias — história essa que se conecta por acaso com a do vendedor de guarda-chuvas Fu Ang (Wang Shin-Hong) e com a de Xiao Xin (Chen Xiao Xin), jovem que trabalha no comércio de sua tia. Através de uma abordagem melancólica que observa o dia a dia desses personagens quase como se emulasse um documentário, pouca coisa realmente acontece e, ao mesmo tempo, tudo acontece.
Acostumado a assistir a filmes sobre imigração e tentativas de adaptação a novos ambientes, o público brasileiro raramente terá uma oportunidade como a que se faz presente em Dormir de Olhos Abertos de ver seu país — ou, no caso dos recifenses, sua cidade — através de uma visão estrangeira. O cenário celebrado pelo calor e acolhimento, a partir do olhar desses protagonistas, se revela distante, quase impenetrável. “Para mim, todos os lugares se parecem e em todos os lugares nos confundem”, desabafa uma das personagens chinesas em dado momento do filme.
Em entrevista exclusiva ao Viver, Kleber — que enfrenta a maratona das primeiras exibições públicas de O Agente Secreto no Brasil — relembra que a semente do projeto germinou em 2016 após uma conversa com a diretora durante um jantar em Viena, na qual falaram sobre a comunidade chinesa vivendo no Recife. “Ela ficou profundamente interessada em conhecer a cidade e, no ano seguinte, veio ao Janela Internacional de Cinema como jurada. Ela fez pesquisa e observou muita coisa aqui. Logo percebeu que era o lugar certo para contar essa história”, revela. “Tenho muito orgulho de ser produtor desse projeto. Acho que Nele consegue capturar várias coisas muito engraçadas a partir desse olhar estrangeiro sobre nós.”
A diretora já havia trabalhado com a mesma temática da imigração chinesa no filme O Futuro Perfeito, ambientado na Argentina. “Durante a minha pesquisa, percebi como existia em muitos deles a premissa de seguir um ideal de ‘sonho americano’, sacrificando-se muito no trabalho, e acho importante mostrar desse modo bastante realista casos em que as tentativas de crescer não dão tão certo”, conta nesta entrevista exclusiva. “A última coisa que eu quero é incentivar esse modelo de perseguir uma produtividade capitalista, ainda mais em um planeta que precisa cada vez menos disso e mais de cuidado”.
Nele Wohlatz rememora ainda as coisas que a atraíram para investigar a vivência no Recife. “Eu tive a impressão de uma cidade muito influenciada por grandes projetos de desenvolvimento urbano, grandes prédios que criam uma sociedade cheia de individualidades e segregações, que, por sua vez, geram uma série de insegurança”, aponta a cineasta alemã. “A partir do momento em que comecei a andar pelo centro, principalmente, passei a perceber uma série de coisas inesperadas que demonstraram como é, sim, um lugar possível de transitar, ao contrário do que me havia sido dito. Todo mundo comentava que era perigoso. Foi uma jornada e tanto”.

