Festa Literária das Periferias estreia no Recife com programação gratuita
Debates, rodas de diálogo e espetáculos marcam a chegada da Flup ao Recife
Publicado: 10/09/2025 às 06:00

Cannibal, Jessé Souza e Itamar Vieira Jr. compõem programação do festival (Fotos: Divulgação)
Após 14 anos de consolidação no Rio de Janeiro, a Festa Literária das Periferias — Flup chega pela primeira vez ao Recife com a proposta de desafiar estruturas, provocar reflexões e abrir espaço para narrativas periféricas e decoloniais. De 10 a 14 de setembro, o Compaz Governador Eduardo Campos, na Zona Norte da cidade, será palco de debates, rodas de diálogo, espetáculos e lançamentos de livros que discutem negritude, ancestralidade, juventude, gênero, política e os diversos modos de produção de conhecimento que emergem das periferias, muitas vezes silenciados pela história oficial.
Para Tarciana Portella, jornalista e gestora cultural que trouxe a Flup ao Recife através do Instituto Delta Zero, a experiência vai além de um festival. “A Flup não é apenas um evento – é processo, um do-in na cultura, como definiu o ex-ministro Gilberto Gil. É plataforma de pensamento, conexões e incubação de talentos antes invisibilizados. Sempre culmina em um grande encontro, como o que teremos aqui em setembro, que será o ponto de largada desse movimento de troca de expertises”, define.
DESLOCAMENTOS
No Recife, os morros — chamados de Altos — ocupam 68% do território urbano, segundo a Prefeitura. Ainda assim, quem circula por eles são, em grande parte, seus próprios moradores. Ao ocupar o Compaz Eduardo Campos, equipamento premiado inclusive pela Unesco por seu trabalho com cidadania e cultura de paz, a Flup PE desloca o centro do debate cultural e literário para dentro da periferia, desafiando a ideia de que a produção de conhecimento e arte está restrita aos grandes centros urbanos.
A edição pernambucana tem como tema “Saberes Conectados: negritude em todos os espaços” e busca pensar o Brasil e o mundo a partir do Sul Global, das margens urbanas e dos territórios historicamente excluídos. A programação gratuita inclui mesas de debate, rodas de diálogo, espetáculos, lançamentos de livros e feira gastronômica, reunindo escritores, intelectuais, artistas, lideranças religiosas e pensadores de todo o país.
Ancestralidade, arte, literatura, religiosidade, juventude, feminismos, política, direitos, revolução, acessos, redes e resistências entram em pauta. São assuntos que convidam o público a repensar o Brasil a partir das suas contradições mais profundas, mas também a reconhecer a potência das periferias negras e populares como forças vivas de produção de conhecimento.
Entre os nomes de destaque que participam do evento, figuram Jessé Souza, sociólogo e autor dos livros Pobre de Direita e A Elite do Atraso; Itamar Vieira Jr, escritor premiado e autor de Torto Arado; Carla Akotinere, pesquisadora e referência no estudo de feminismo negro e interseccionalidade; Bianca Santana, escritora e ativista do feminismo negro; Luciany Aparecida, autora do livro Mata Doce, finalista do Prêmio Jabuti 2024; Sônia Guimarães, primeira mulher negra doutora em física no Brasil; Robeyoncé Lima, advogada travesti pioneira em Pernambuco; Ellen Oléria e Lucas dos Prazeres, artistas que exploram palavra, música e poesia; Jeff Alan, artista visual; Andala Quituche, fundadora do Museu das Tradições do Cavalo Marinho; Pai Ivo de Xambá e Mãe Beth de Oxum, líderes religiosas de matriz africana; além de escritores e autoras independentes como Inaldete Pinheiro, Odailta Alves, Marilene Felinto, Lorena Ribeiro, Eron Villar e João Gomes.
TRAJETÓRIA
Criada no Rio de Janeiro em 2012 por Julio Ludemir, pernambucano radicado na cidade, e Écio Salles, a Flup consolidou-se como referência internacional. Julio lembra como esse percurso se deu: “Quando a Festa Literária das Periferias nasceu, ela foi entendida como projeto social, como um gesto que, no máximo, identificava quem eram as vozes autorais periféricas. Aos poucos, com muito empenho e escuta, viramos um festival multimídia e multiplataforma. Nossa musculatura foi torneada para ocupar outro imaginário na cidade, no país e do mundo, criando para si um lugar de fala para os combates decoloniais. A Flup é das mulheres, é das populações pretas, de indígenas, da macumba. É com essas representações que a gente quer redesenhar a palavra ‘periferia’ em toda a sua potência.”
Julio também observa que o crescimento da Flup está profundamente ligado à educação e à ampliação das possibilidades de produção de narrativas. Para ele,“na medida em que você vai aumentando os níveis de escolaridade de uma população, você vai aumentando os níveis de possibilidades de produção de narrativas. Os novos momentos históricos são sempre acompanhados de novas narrativas e novos narradores, foi essa premissa que nos levou a propor o Festival Literário, todo ele, o tempo inteiro, associado à produção de livros".
A Flup é reconhecida como um dos mais relevantes festivais literários do Brasil, com 14 anos de trajetória no Rio de Janeiro e prêmios nacionais e internacionais como o Jabuti (2020) e o Excellence Awards (London Book Fair, 2016). Em 2023, tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Agora, ao chegar a Pernambuco, abre uma ponte simbólica entre territórios de resistência que compartilham raízes comuns.
CURADORIA
Em Pernambuco, a curadoria da edição está a cargo da jornalista e escritora Jaqueline Fraga, que destaca a importância dessa estreia para a cena cultural local: “Pernambuco receber esta edição pioneira da Flup demonstra a relevância do nosso estado para a produção cultural. Daqui saem expoentes das mais diversas linguagens. Reuni-los junto ao público e a artistas de outros estados do país é uma forma de honrar toda a vida cultural que existe aqui.”
HOMENAGEM
O festival homenageia Francisco Solano Trindade, poeta, artista popular e militante da cultura negra, nascido justamente na cidade que hoje acolhe a Flup PE. Declarado Patrono da Luta Antirracista de Pernambuco, Solano é símbolo da arte que emerge das ruas, dos terreiros e das periferias, confrontando o opressor e fortalecendo saberes marginalizados.
O legado do poeta será celebrado em diversas frentes. A ação pedagógica “Nós que somos Solano Trindade” contará com a participação de Liberto Trindade, filho do poeta, em encontros de testemunho entre os dias 8 e 12 de setembro. A proposta expande a memória da família, incluindo também Margarida Trindade, esposa e parceira artística de Solano, cuja história será resgatada em cordel de Nilu Strang.
PROGRAMAÇÃO FLUP PERNAMBUCO
Todos os dias, das 14h às 21h30 - Lançamentos, Feira de Livros e Espaço Gastronômico
QUARTA-FEIRA (10 de setembro)
- 15h - Roda de Diálogo - “Nós que somos Solano Trindade”, com Liberto Solano Trindade e Nilu Strang
- 17h - Sarau Versos e Raízes - Com Odailta Alves, Mariana Brito, Regilane Franca, Maria Carolina, Débora Santos, Miriam Gomes e apresentação musical de Ana Benedita Costa.
- 18h30 - Cerimonial de abertura
- 19h - Mesa: Sabemos a direção? Como resgatar a juventude negra
Palestrantes: Bianca Santana, Jessé Souza
Mediação: Jéssica Santos - 20h30 - Lançamento de livros de Jessé Souza, Bianca Santana e Jéssica Santos
QUINTA-FEIRA (11 de setembro)
- 15h - Lançamento de autores independentes: Caio do Cordel (Super Negro), Cibele Laurentino (Nobelina) e Ana Daviana (Essa mundana gente)
- 17h - Lançamento de livros: Inaldete Pinheiro (Pixaim em versos soltos), Odailta Alves (As bonecas de Nyashia), Iaranda Barbosa (Ponto de Luz)
- 18h30 - Mesa 1: Ancestralidade em vida: construindo e abrindo caminhos
Palestrantes: Esmeralda Ribeiro, Inaldete Pinheiro
Mediação: Odailta Alves - 20h - Mesa 2: Conhecimento é alimento cultural
Palestrantes: Carla Akotirene, Cannibal
Mediação: Iaranda Barbosa
SEXTA-FEIRA (12 de setembro)
- 15h - Lançamento de autores independentes: Samuel Santos (Maria Preta), Luciene Nascimento (Tudo nela é de se amar) e Marcondes FH (Rosa Menininho)
17h - Mesa 1: A força e a resistência do sagrado em Pernambuco
Palestrantes: Pai Ivo, Mãe Beth de Oxum
Mediação: Pai Lívio - 18h30 - Mesa 2 : A arte como vetor, movimento e inspiração
Palestrantes: Salgado Maranhão, Isaar
Mediação: Luciana Queiroz - 20h - Mesa 3: A quem a arte incomoda? E a quem deve servir?
Palestrantes: Itamar Vieira Jr, Vitor da Trindade
Mediação: Lenne Ferreira - 21h30 - Lançamento de Livros de Itamar Vieira e Vitor da Trindade
SÁBADO (13 de setembro)
- 14h - Lançamento de Livros de autores independentes: Eron Villar (editor de O Carnaval de Capiba), Vera Lúcia e Wedna Galindo (Espanador não limpa poeira) e Fátima Soares (Ossos)
15h - Mesa 1: Sonhos vivos: o poder da cultura na construção social
Palestrantes: Jeff Alan, Andala Quituche
Mediação: Thayane Fernandes
16h30 - Mesa 2: O futuro é agora e feminino. E a literatura também
Palestrantes: Marilene Felinto, Lorena Ribeiro
Mediação: Bell Puã
18h30 - Mesa 3: Pioneiras, sim! Sozinhas, não!
Palestrantes: Sônia Guimarães, Robeyoncé Lima
Mediação: Renata Araújo
18h - Lançamento de livros com Thayane Fernandes, Lorena Ribeiro, Marilene Felinto
20h30 - “Se eu fosse Malcolm” - Inspirado no legado de Malcolm X, os/as multiartistas Eron Villar e DJ Vibrasil, constroem uma peça que passeia entre uma música identitária e o teatro épico-narrativo, uma abordagem crítica decolonial com recorte de raça e gênero. A proposta é uma estética minimalista, essencial, ancorada no potencial expressivo da dupla.
DOMINGO (14 de setembro)
- 14h - Lançamento de livros de autores independentes: João Gomes (Revezamento Secreto), Célia Martins (Ara-Y), Maria Cristina Tavares (As aventuras de Bayo em Terras Africanas) e Robson Teles (Ave, Guriatã)
- 15h - Mesa 1: Acessos e permanências: nosso lugar é todo lugar
Palestrantes: Luciany Aparecida, Amanda Lyra
Mediação: Érico Andrade - 16h30 - Lançamento de livros
Érico Andrade e Luciany Aparecida - 17h - Mesa 2: Entre sons e sensações: palavra é música e música é poesia
Palestrantes: Ellen Oléria, Lucas dos Prazeres
Mediação: Marta Souza - 19h - Encerramento com apresentação artística de Lucas dos Prazeres e participação da cantora Ellen Oléria.

