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Em 'Os Enforcados', em cartaz, todos são corda e pescoço

Thriller de humor mordaz dirigido por Fernando Coimbra e protagonizado por Leandra Leal e Irandhir Santos, 'Os Enforcados' é um dos mais surpreendentes do ano

Andre Guerra

Publicado: 14/08/2025 às 07:00

Violência e imprevisibilidade do roteiro são as marcas principais do filme/Paris Filmes/Divulgação

Violência e imprevisibilidade do roteiro são as marcas principais do filme (Paris Filmes/Divulgação)

A vida de luxo aparentemente intocável que Regina (Leandra Leal) e Valerio (Irandhir Santos) levam na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, começa a ser colocada em uma escalada de testes no momento em que o pai do marido morre. Desesperados para quitar as dívidas e presos aos negócios do tio bicheiro Linduarte (Stepan Nercessian), os dois encontram uma mórbida solução para seus problemas — e, na verdade, acabam enrolados numa espiral inexorável de violência.

Agora em cartaz no Recife, após exibição especial durante o 29º Cine-PE — Festival do Audiovisual, Os Enforcados é um dos filmes mais cheios de surpresa que o público vai encontrar nos cinemas este ano. Dirigido por Fernando Coimbra, do aclamado O Lobo Atrás da Porta (também protagonizado por Leandra Leal), o longa adapta a estrutura célebre de Macbeth, de William Shakespeare, à elite carioca decadente e mistura uma série de outras referências de gêneros, do drama carregado à comédia de erros, flertando até com o terror.

Contando ainda com Irene Ravache, Ernani Moraes e Marcelo Mello Jr no elenco, Os Enforcados se apresenta como uma possível sátira, mas não demora para se consolidar com músculos narrativos bem mais autônomos, graças principalmente ao formalismo carregado da câmera de Coimbra, à direção de arte de Caio Costa e Rafael Torah, que transforma a mansão em um personagem em constante transformação, e à trilha sonora imersiva de sopros agudos assinada por Thiago França. Mas o coração do filme, porém, está na interação entre os dois atores principais, que subvertem constantemente as expectativas do público, virando-se contra tudo e todos, inclusive um ao outro.

Leandra, em particular, funciona como a linha mestra de Os Enforcados, já que suas cenas parecem sempre um degrau acima das anteriores. É no misto de ingenuidade e esperteza, romantismo e ambição, que Regina cresce tanto na sua relação com a plateia como enquanto personagem cheia de camadas. A graça, nesse sentido, vem mais como uma válvula de escape para os absurdos filmados com muita convicção por Coimbra do que como um cinismo às custas da situação.

Ao brincar com as possibilidades cenográficas dessa casa, que vão moldando o tom brutal da história em uma atmosfera gradualmente operística, o diretor, que revelou toda sua destreza no potencial de choque com O Lobo Atrás da Porta, faz deste seu novo trabalho um exercício mórbido de suspense que pulveriza sem rede de segurança as violências de que todos são capazes de aplicar — e receber. Aqui, ninguém está seguro. Todos são corda e todos são pescoço.

"Quando você julga um personagem, acaba se distanciando. O que eu fiz foi sempre construir as motivações tão imprevisíveis da Regina, uma personagem que tem vários desejos e pulsões", afirma Leandra em entrevista exclusiva ao Viver. "Irandhir foi um parceiro incrível nessa construção, uma pessoa doce que contamina o set com o compromisso e concentração dele", acrescenta.

Comentando ainda sobre os diferentes tons que Os Enforcados conjuga, Coimbra destaca o desprendimento do filme de oferecer respostas ou proposições para os temas que trata. "A coisa mais gratificante é ver que as pessoas estão reagindo de várias maneiras. Tem gente achando hilário, outros achando brutal, e isso é ótimo. A pior coisa é a indiferença", diz o diretor. "Não me interessa fazer um filme que pareça uma tese ou uma resposta pronta para algum problema. O que me interessa na arte é mergulhar nos absurdos e complexidades do mundo. A arte existe para provocar mesmo", completa.

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